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& Artigos - Direito Comercial |
O Cheque
Professor
responsável: Romil Alves Leal Autor: Dilson Dória in Curso de Direito Comercial
Curso de Direito Comercial -
FADISC - 1998 |
Origem e
desenvolvimento. Embora inconfundíveis, a letra de câmbio e o cheque têm
origem comum.
Assim como ocorre em relação à letra de câmbio, não são poucos os
pesquisadores que fazem remontar o embrião do cheque à prática de povos da
Antigüidade, entre os quais os babilônicos, egípcios, gregos e romanos.
Deixemos de lado, porém, as origens mais remotas do instituto, para
nos fixarmos na Idade Média, mais precisamente na Itália, onde realmente o cheque ganhou
a configuração que o aproximaria da feição com que é modernamente conhecido. Datam
dessa época, com efeito, o surgimento e o grande desenvolvimento dos bancos de depósito,
cuja função era a guarda de valores. E dessa sua atribuição, como lógico, decorreria
a emissão de certificados por meio dos quais os banqueiros outorgavam a seus clientes o
direito de disporem do dinheiro custodiado, para si ou para outrem.
Foi, contudo, na Inglaterra que o cheque encontrou o ambiente mais
propício ao seu incremento, pois, na verdade, era com base no cheque que a realeza
inglesa expedia ordens de pagamento aos seus tesoureiros.
Entretanto reservar-se-ia à França, onde era antigo o uso de recibos
de caixa, a primeira regulamentação do instituto do cheque, feita pela Lei de 14 de
julho de 1865, complementada após pela Lei de 19 de fevereiro de 1874.
Mas a falta de uniformidade de ponto de vista acerca da origem do
cheque também se registraria quanto à sua denominação. Enquanto uns afirmam tratar-se
de vocábulo derivado do verbo inglês to check, na acepção de verificar, outros
pensam cuidar-se de expressão proveniente do francês èchiquier, que significa
retirar, dar baixa.
A despeito de tais divergências, o certo é, porém, que a palavra
cheque se vulgarizou por todo o mundo, passando a integrar o patrimônio comum de todos os
idiomas.
O cheque no Brasil.
No Brasil, o Código Comercial não tratou do instituto, no que seguiu os seus modelos, os
Códigos francês, de 1807, e o lusitano, de 1833, que dele, por igual, não se ocuparam.
Com efeito, só dez anos depois da promulgação do nosso Código Comercial, vamos
encontrar, na Lei n. 1.083, de 22 de agosto de 1860, que dispôs sobre bancos de emissão
e meio circulante, uma referência mais aproximada do cheque.
Mas foi apenas com a Lei n. 149-B, de 1893, sobre reivindicação de
título ao portador, que, pela primeira vez, no Brasil, se deu ao instituto, em lei, o
nome de cheque. Entretanto convém notar que a palavra cheque já era mencionada no
Decreto n. 917, de 24 de outubro de 1890, do Governo Provisório, que, como se sabe,
tratou da falência, revogando o livro 3? do Código Comercial.
Contudo só com o Decreto n. 2.591, de 7 de agosto de 1912, que
resultou de anteprojeto da lavra de Leopoldo Bulhões, Ministro da Fazenda do Governo
Rodrigues Alves, é que o instituto do cheque seria disciplinado entre nós. Esse diploma
foi ligeiramente alterado pelos Decretos n. 22.393, de 25 de janeiro de 1933, e 22.924, de
12 de julho de 1933, o primeiro dispondo sobre data de emissão do cheque e o segundo a
respeito de prazos de sua apresentação.
A insuficiência de seus dispositivos, de um lado, e a ineficácia das
leis penais repressoras da emissão de cheques sem fundos, de outro, já de há muito
justificariam a reforma do Decreto n. 2.591, o que, finalmente, viria a ocorrer com o
Decreto n.'57.595, de 7 de janeiro de 1966, que promulgou as Convenções para a adoção
de urna lei uniforme em matéria de cheques, assinadas em Genebra em 19 de março de 1931.
A vigência da Lei Uniforme em matéria de cheques, entre nós,
suscitou as mesmas discussões que examinamos, ao tratarmos da letra de câmbio e da nota
promissória. Argumentava-se que a incorporação das normas da Lei Uniforme ao Direito
pátrio dependeria de legislação especial, urna vez que, no sistema brasileiro, a lei
só se revoga por outra lei.
No plano prático, essas dúvidas se acham superadas, porque o Supremo
Tribunal Federal declarou a vigência do ordenamento uniforme sobre cheques como lei
interna, com exceção dos dispositivos expressamente ressalvados, ao concluir não
parecer curial que o Brasil firmasse um tratado, que fosse definitivamente aprovado pelo
Congresso Nacional e, em seguida, promulgado e nada obstante a sua validez ficasse ainda
na dependência de novo ato do Poder Legislativo.
Assentada a vigência da Lei Uniforme, o instituto do cheque, entre
nós, passou a ser regulado pelo ordenamento uniforme e pelas disposições extravagantes
de nossa legislação interna não derrogadas pela Convenção genebrina, em virtude das
reservas subscritas pelo Governo brasileiro. Entretanto, como matérias objeto dessas
reservas havia sem que se achassem reguladas em nossas leis, o direito chéquico nacional
apresentaria lacunas, enquanto não editadas normas que as suprissem.
Essa situação perdurou até a promulgação da Lei n. 7.357, de 2 de
setembro de 1985, publicada no Diário Oficial da União, do dia 3 seguinte, que
incorporou as normas da Lei Uniforme e regulou as matérias em relação às quais
manifestamos reservas.
Conceito. O cheque
é uma ordem de pagamento sacada contra um banco ou ente assemelhado, para que pague à
pessoa nomeada, à sua ordem, ou ao portador, a soma em dinheiro dela constante, colocada
à disposição do emitente pelo sacado.
Desse modo, três pessoas participam da relação originária a que o
cheque dá lugar: a) o emitente, sacador ou passador, que é a pessoa
que emite, saca ou passa a ordem; b) o sacado, que é a pessoa a quem se dirige a
ordem - o banqueiro, numa palavra; c) o tomador, beneficiário ou portador,
que é a pessoa em favor de quem é o cheque emitido.
Para alguém emitir cheques deve possuir fundos disponíveis em poder
do sacado e achar-se autorizado a sobre eles realizar saques mediante cheques, por força
de contrato expresso ou tácito. Mas a infração à regra não prejudicará a validade do
título como cheque.
Os fundos disponíveis que o emitente movimentará por meio de cheques
serão apurados no momento da apresentação destes ao sacado, e podem decorrer de
créditos constantes de conta bancária não subordinada a termo, de saldo exigível de
conta corrente contratual ou de soma proveniente de abertura de crédito.
Natureza jurídica,
Diversas teorias procuram explicar a natureza jurídica do cheque. Se uns vêem no
instituto a figura do mandato, outros preferem considerá-lo como uma estipulação em
favor de terceiro, não sendo, afinal, poucos os que o equiparam à cessão de crédito.
Mas o cheque se não confunde com qualquer desses institutos de Direito
Civil. Com o mandato, porque neste a confiança se funda no mandatário, ao passo que no
cheque repousa na pessoa do emitente. Com a estipulação em favor de terceiro, porque é
esta feita a favor de pessoa estranha ao contrato, enquanto o cheque pode ser sacado em
beneficio do próprio emitente. Ademais, o beneficiário na estipulação em favor de
terceiro só tem ação contra o prestador, jamais contra o estipulante, ao contrário do
cheque, onde o seu beneficiário tem ação contra o emitente. Por fim, o cheque se não
identifica com a cessão de crédito, por isso que nesta o devedor-cedente fica liberado
da obrigação que tinha para com o credor cessionário, o que, aplicado ao cheque,
raiaria pelo absurdo de se considerar que o portador não teria ação contra o sacador.
Evoca-se ainda a figura da delegação, para explicar a natureza do
cheque, pois, tanto quanto naquela, neste há duas dívidas a serem extintas por um ato
delegatório: a do emitente para com o beneficiário e a do sacado para com o emitente.
Mas a teoria da delegação não conseguiria esclarecer a natureza do
cheque quando este assumisse a sua característica cambiária. É que, aceita a teoria da
delegação, teríamos que, adquirindo o cheque, o beneficiário se faz seu delegatário.
Contudo, transferindo-o, convertes-se em delegante, pelo que, faltando a titularidade de
alguém nessa cadeia, a aquisição estaria comprometida. Essa conseqüência, todavia,
não se verificaria no caso do cheque, em face das normas de Direito Cambiário que
protegem o possuidor de boa fé.
Pensamos, como Waldemar Ferreira, Carvalho de Mendonça, Otávio
Mendes, João Eunápio Borges e Rubens Requião, que o cheque é um título de crédito.
Na realidade, se o cheque é uma ordem de pagamento que o beneficiário aceita em lugar do
dinheiro, não se pode deixar de ver nele uru título de crédito, pois que reúne os dois
elementos que caracterizam a operação creditória: a confiança e o prazo. Além disto,
importa observar que o cheque se reveste, inegavelmente, da natureza de título de
crédito, quando circula por meio do endosso.
Requisitos essenciais.
Como título formal, o cheque se sujeita a requisitos que a lei impõe como
indispensáveis à sua validade. Com efeito, a Lei n. 7.357, de 2 de setembro de 1985,
repetindo a Lei Uniforme, considera como requisitos essenciais do cheque: a) a
denominação "cheque" inserta no contexto do título e expressa na língua em
que este é redigido; b) a ordem incondicional de pagar quantia determinada; c) o nome do
banco ou da instituição financeira que deve pagar (o sacado); d) a assinatura do
emitente (sacador) ou de seu mandatário com poderes especiais. De notar que, sendo o
cheque de valor igual ou superior a R$ 100,00 (cem reais), do mesmo de,>e constar o
nome de seu beneficiário. Trata-se de exigência resultante da Lei n. 8.021, de 12 de
abril de 1990.
A par desses requisitos, prevê ainda a Lei n. 7.357 /85, a exemplo da
Lei Uniforme, dois outros: a) o lugar do pagamento; b) o lugar onde o cheque é passado.
Mas esses requisitos não são essenciais à validade do cheque, pois a própria lei supre
a sua falta, ao firmar a respeito uma presunção juris et de jure, como veremos
adiante.
Examinemos, pois, cada um desses requisitos.
A denominação
"cheque". Assim como na letra de câmbio e na nota promissória, que devem
conter em seu texto o designativo que lhes assegure o reconhecimento, no cheque, por
igual, o uso do vocábulo é obrigatório e se destina à sua identificação. Na verdade,
cuida-se de exigência que decorre das cautelas com que o Direito Cambiário acoberta os
títulos que regula, para permitir que qualquer pessoa possa conhecê-lo ao simples
contato.
A palavra cheque deve, portanto, ser expressa no próprio
título, na língua empregada para a redação do papel.
A ordem incondicionada
de pagar quantia determinada. Ao invés de ordem, como o faz a Lei n. 7.357 /85, a Lei
Uniforme usa a locução mandato; mas a expressão é nela empregada não no seu
sentido jurídico, porém vulgar, equivalendo a ordem de pagar.
Essa ordem deve ser incondicionada, pura e simples, como diz a Lei
Uniforme, vale dizer, não deve conter qualquer condição que, inserida no título, a
descaracterize como cheque.
Por outro lado, esse mando puro e simples há de ser para pagamento de
determinada quantia. Daí se compreender que o cheque deva mencionar o valor da ordem de
pagamento que nele se contém, expresso em dinheiro e moeda corrente e indicado em
algarismos e por extenso. Verificada, porventura, divergência entre essas duas
indicações, prevalecerá a feita por extenso. Se tais indicações, porém, forem
repetidas várias vezes, quer por algarismo, quer por extenso, subsistirá, em caso de
discrepância, a de menor valor.
O nome do sacado. É
imprescindível conste do cheque o nome do sacado, ou seja, daquele contra o qual é a
ordem dirigida.
A Lei Uniforme restringiu à pessoa do banqueiro a condição de
sacado, revogando; destarte, q regra do Decreto n. 2.591, que, entre nós, a atribuiria
também a comerciantes em mãos de quem o sacador possuísse fundos disponíveis.
Por banqueiro o art. 54 da Lei Uniforme considera também as pessoas ou
instituições a ele assimiladas. Admitiu, no entanto, o Anexo II do ordenamento uniforme
que cada Estado convenente viesse a determinar as pessoas que reputaria como banqueiros.
Entre nós, a Lei n. 7.357/85 restringe a qualidade de sacado ao banco
ou à instituição financeira contra a qual se admita a emissão de cheque.
A assinatura do sacador.
É a assinatura do sacador indispensável à existência do cheque, pois sem ela possível
não será considerá-lo. Garante o sacador o pagamento do cheque, considerando-se não
escrita a declaração pela qual se exonere dessa garantia. A sua assinatura deve ser do
seu próprio punho, ou de mandatário com poderes especiais. Mas, se a este faltar
poderes, ou se atuar além das forças do mandato, o cheque que assim emitir ou endossar
não vinculará o pretendido representado, mas obrigará a quem o assinou, que, pagando-o,
tem os mesmos direitos daquele em cujo nome assinou.
À satisfação do requisito em foco o que importa é a
personalização do emitente. Eis por que a sua firma, mesmo abreviada, desde que
corresponda ao autógrafo em poder do sacado, não pode deixar de ser levada em conta para
os desejados efeitos.
Note-se, contudo, que o analfabeto só poderá emitir cheques por meio
de procurador constituído por instrumento público, visto nem ser válida a assinatura a
rogo nem se admitir, por óbvias razões, possa o analfabeto nomear procurador mediante
instrumento particular, que exige, como se sabe, o reconhecimento da firma do outorgante.
Observa-se ainda que a assinatura do emitente, ou a de seu mandatário
com poderes especiais, pode ser produzida através de chancela mecânica ou processo
equivalente, tudo na forma da legislação específica, que não dispensa a prévia
convenção com o banco sacado e a obediência às normas técnicas e de segurança.
Admite-se também que o sacador possa ser o próprio sacado, desde que
o cheque não seja ao portador, como acontece com os denominados cheques administrativos e
de viagem, que examinaremos adiante. Em tais casos permite-se por igual o uso da chancela
mecânica.
De resto convém salientar que, sendo autônomas e independentes as
obrigações contraídas no cheque, a assinatura nele de pessoa capaz cria obrigações
para o signatário, mesmo que o cheque contenha obrigações de pessoas incapazes de se
obrigar por cheque ou assinaturas falsas, ou de pessoas fictícias ou que, por qualquer
outra razão, não poderiam obrigar as pessoas que assinaram o cheque, ou em nome das
quais foi ele firmado.
O lugar do pagamento.
Embora, como ordenamento jurídico, a Lei n. 7.357 / 85 inclua o lugar do pagamento entre
os requisitos a que o cheque deve atender, não é ele essencial a sua validez, pois a
própria lei supre a sua omissão, ao dispor que, na ausência de indicação especial, se
considera como tal o designado ao lado do nome do sacado. Se, todavia, vários forem os
lugares indicados, entender-se-á como o de pagamento o que primeiramente tiver sido
apontado. Afinal, se faltar qualquer dessas indicações, tem-se o cheque por pagável no
lugar de sua emissão, como o estabelece a Lei n. 7.357/85, contrariando nesse passo a Lei
Uniforme, que, na hipótese, o consideraria pagável no lugar em que o sacado tiver o seu
principal estabelecimento.
O lugar da emissão.
Do mesmo modo que o do pagamento, o lugar da emissão não constitui requisito essencial
ao cheque. A lei sana a sua omissão, ao esclarecer que o cheque que não contiver
menção ao lugar de sua emissão considerar-se-á sacado na localidade designada ao lado
do nome do sacador.
A datação no cheque.
Conquanto a lei a considere como um de seus requisitos essenciais, a falta de data no
cheque dificilmente acarretaria a sua nulidade, pois o portador, com facilidade, a
supriria. Aliás, da leitura do art. 2? da Lei Uniforme constata-se que esta admite a
emissão do cheque incompleto, embora o considere ineficaz enquanto não completado. O
mesmo também o faz a Lei n. 7.357 /85, no art. 16, quando consagra a possibilidade de ser
o cheque incompleto preenchido por outrem.
Nada obstante, é a data importante pelas conseqüências que dela
decorrem. Com efeito, da data se conta o termo inicial do prazo de apresentação do
cheque. Outrossim, é pela data que se resolve o problema de preferência, na hipótese de
concurso simultâneo de dois ou mais cheques de soma superior aos fundos disponíveis,
como teremos oportunidade de examinar.
Ademais, de sua natureza de meio de pagamento provém a
inadmissibilidade do cheque pós-datado. É que a sua permissibilidade tomaria o cheque
simples título de crédito. Daí dizer o art. 32, parágrafo único, da Lei n. 7.357 /85,
repetindo o art. 28, al. 24, da Lei Uniforme, que o cheque apresentado para pagamento
antes do dia indicado como data da emissão é pagável no dia da apresentação.
Modelo oficial de
cheque. Entre nós o cheque é padronizado, tal como prevê o Manual de Normas e
Instruções (MNI), do Banco Central do Brasil, 16.8.1., que disciplina desde o seu
tamanho até o papel em que deve ser impresso.
Assim, terá o cheque o comprimento de 175 mm e altura de 80 mm,
tolerando-se, num caso como noutro, uma variação de 1 mm, para mais ou para menos.
Divide-se o instrumento do cheque em duas partes: a) a do cheque
propriamente dito, cuja estrutura não é atingida pelos caracteres magnetizáveis; b) a
parte reservada à impressão dos caracteres magnetizáveis, na extremidade inferior, em
toda sua extensão, com dimensão de 16 mm por 175 mm.
Comporta o cheque dizeres impressos na parte aludida na letra a, supra,
como se segue:
a) na primeira zona, ou faixa superior:
I - numeração - encimada pela abreviatura Nº;
II - número - correspondente à inscrição do banco nos serviços de compensação, no
quadrilátero encimado pela palavra Banco;
III - importância em algarismos - no retângulo à direita, encimada pelo símbolo da
moeda corrente no país;
IV - campo livre - destinado à identificação do sacador;
b) na segunda zona, ou faixa central:
I - expressão "Pague por este cheque a quantia de" - seguida de duas
linhas em branco destinadas à importância por extenso;
II - indicação "a" - seguida de espaço para o nome do beneficiário do
cheque e, se for o caso, das cláusulas "ou à s/ordem" ou "não
à ordem";
c) na terceira zona, ou faixa inferior:
I - campo de identificação do banco sacado, que é reversível à primeira zona;
II - lugar, data e assinatura do emitente, esta opcionalmente aposta sobre a linha ou no
correspondente campo livre.
Espécies de cheques.
Diversas são as espécies de cheques. Delas convém examinar as que, entre nós,
alcançaram maior vulgarização. Assim, trataremos dos cheques marcado, visado, cruzado e
de viagem. Além destes, cumpre lembrar ainda o cheque administrativo, que, como vimos, é
o sacado pelo banco comercial contra o seu próprio caixa, e o cheque para ser creditado
em conta, que a Lei n. 7.357/85 veio de introduzir em nosso Direito.
Cheque marcado.
Ordem de pagamento à vista, o cheque é apresentado ao sacado não para que este o
aceite, mas para que efetue o seu pagamento, podendo o seu portador, em face da recusa,
desde logo, levá-lo a protesto.
Entretanto nada impede que, não obrigado embora, o portador conceda
prazo ao sacado, permitindo a este adiar o pagamento do cheque para certo dia.
O Decreto n. 2.591 contemplava a hipótese, ao sinalar que, "se o
portador consentir que o sacado marque o cheque para certo dia, exonera todos os outros
responsáveis".
Surgiu, na verdade, a certificação de um costume inglês, no
primeiro quartel do século XIX, identificado pelo emprego do vocábulo good, por
meio do qual o sacado expressava que o cheque apresentado fora da hora para a
compensação tinha de fato provisão, sendo, pois, bom e por isso desfrutaria de
preferência para pagamento no dia seguinte.
Na marcação via-se uma forma de aceite no cheque. Mas, a despeito das
semelhanças que apresentam, aceite e marcação são institutos diversos, pois, enquanto
o primeiro ocorre antes do vencimento do título e transforma o aceitante em devedor
principal da cártula, sem desonerar de responsabilidade os devedores de regresso, a
marcação se dá após a apresentação do cheque e libera totalmente o seu emitente e
demais signatários, restando o sacado como responsável único pelo seu pagamento.
Assim como a Lei Uniforme, a Lei n. 7.357/85 não se refere ao cheque
marcado, pelo que perduram as dúvidas quanto a sua existência. Tanto quanto o
ordenamento uniforme, a Lei n. 7.357/85 veda o aceite do cheque, mas, usando da faculdade
assegurada pela Lei Uniforme, em seu Anexo II, a nossa lei interna condescende com a
certificação no cheque, ao admitir que o sacado possa lançar e assinar no verso do
cheque, que não for ao portador e ainda não tiver sido endossado, visto, certificação
ou outra declaração equivalente, datada e. por quantia igual à indicada no título.
Parece-nos que o problema da subsistência ou não do cheque marcado,
em face de não haver a Lei Uniforme previsto a modalidade, é irrelevante, como já o
notara Rubens Requião. Se o portador não está obrigado a acolher a marcação do
cheque, a sua anuência ao comportamento do sacado somente decorreria de convenção que
com ele fizesse, de natureza estranha ao instituto do cheque.
Daí por que do cheque marcado resultam os seguintes efeitos: a) o
valor do cheque será desde logo debitado à conta do emitente; b) o sacado se tornará o
úrdco responsável pelo seu pagamento; c) inadmissibilidade de contra-ordem, pois o
cheque marcado, em relação ao emitente, opera efeitos idênticos ao do seu pagamento.
Para finalizar, observe-se que, embora pudesse ser instrumento útil em
certos casos, como o das contas a prazo fixo, a marcação não entrou nos hábitos do
nosso comércio.
Cheque visado.
Chama-se cheque visado o de que consta a declaração do sacado, pela qual afirma este a
existência de suficiente provisão para seu pagamento. Trata-se, com efeito, de figura
consagrada pelo uso em todas as praças do país, sendo objeto de assentamento nas Juntas
Comerciais. Ainda que não se possa precisar a sua origem, sabe-se que o seu uso surgiu da
desconfiança do beneficiário do cheque a respeito do fato de possuir ou não o emitente
suficiente provisão de fundos em mãos do sacado.
Mas do cheque visado não resulta apenas o efeito decorrente da
certificação, pelo sacado, de que à data do visto o emitente possuía fundos
necessários ao pagamento. Antes, o visamento assegura também ao portador a garantia de
que tais fundos não serão comprometidos por outros cheques do mesmo emitente, ainda que
apresentados a pagamento em data anterior à do cheque visado.
Além disso, outros importantes efeitos são atribuídos ao cheque
visado, que o colocam em plano superior ao do cheque marcado. Assim, enquanto neste
último só o sacado fica obrigado ao seu pagamento, o visto, sobre acarretar, por igual,
a responsabilidade do sacado, não desonera os demais obrigados pelo pagamento do cheque.
Equiparar-se-ia, pois, o visamento ao próprio aceite cambial, como resulta do liso e
costume assentado na Junta Comercial do Estado de São Paulo, desde 9 de agosto de 1927, e
por onde: a) os cheques visados são levados imediatamente a débito dos emitentes; b) as
provisões respectivas ficam apenas à disposição do portador legitimado. De acordo com
o assento, não se admite a contra-ordem no cheque visado.
Diversos outros Estados assentaram também os seus usos sobre a
matéria, valendo entre eles lembrar os do Paraná, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais,
segundo os quais, debitado o valor do saque na conta do emitente, ficava a previsão
correspondente à disposição do beneficiário, tomando-se irrevogável o cheque visado
durante o prazo legal de sua apresentação.
Nada obstante tratar-se de prática constante das praças brasileiras,
cuja legitimidade era aceita por todos, o cheque visado seria alvo da contestação de
quantos consideravam contrários à lei os usos e costumes que o consagravam. Prevaleceu
no entanto o entendimento que não via no costume contravenção a lei alguma, pois
nenhuma existia que o proibisse.
Mas a partir da vigência da Lei Uniforme, entre nós, retomou-se a
discussão acerca da legitimidade dos usos e costumes relativos ao cheque visado. Embora
assegurando a qualquer das Altas Partes Contratantes a faculdade de admitir que o sacado
inscreva sobre o cheque uma menção de certificação, confirmação, visto ou outra
declaração equivalente, regulando os seus efeitos jurídicos, a Convenção de Genebra
deixaria claro, no Anexo II, que essa menção não deve ter efeito de aceite.
Ora, do fato de ser o cheque título que não comporta aceite (Lei
Uniforme, art. 4?), e da circunstância de determinar a lei que o visto ou certificação
nele aposto não pode ter o efeito de aceite (Anexo II, art. 6º), decorrem algumas
implicações legais, dentre as quais importa assinalar a de encontrar-se o sacado
legalmente proibido de vincular-se ao cheque, não tendo o portador, em conseqüência,
nenhuma ação contra ele.
Dessa constatação passou-se então a argumentar que se os usos e
costumes relativos ao cheque visado puderam subsistir durante o império do Decreto n.º
2.591/12, que era omisso tanto acerca do visto quanto a respeito da proibição de aceite,
já agora, após a vigência da Lei Uniforme, que veda seja o cheque aceito (art. 4º) e
impede que o ,visto ou certificação nele aposto tenha o efeito de aceite (Anexo II, art.
6º), outro há de ser o entendimento a ser dado a tais usos para compatibilizá-los com a
lei.
A situação de dúvida quanto à legalidade do cheque visado, no nosso
sentir, não seria eliminada pelo fato de sua consagração legislativa. A recente Lei n.
7.357 /85, como se sabe, permitiu que o sacado, a pedido do emitente ou do portador
legitimado, lançasse e assinasse, no verso do cheque não ao portador e ainda não
endossado, visto, certificação ou outra declaração equivalente, datada e por quantia
igual à indicada no título. Com efeito, exercitando faculdade consignada às partes
convenentes, pela Convenção genebrina, a Lei n. 7.357 /85 admitiu o que era entre nós
apenas objeto de usos e costumes. Mas ao regular os efeitos jurídicos do visto,
certificação ou declaração equivalente apostos no cheque, a nossa lei obrigaria o
sacado a debitar à conta- do emitente a quantia nele indicada e a reservá-la em
beneficio do portador legitimado, durante todo o prazo de apresentação, sem que,
todavia, fiquem por isso exonerados de responsabilidades o emitente, endossantes e demais
coobrigados.
Como se vê, a Lei n. 7.357 /85, ao incorporar no seu texto a figura do
cheque visado, não se afastou da regulação a ele dada por nossos usos e costumes até
então vigorantes. Assim como estes, a Lei n. 7.357 /85 atribuiu ao visto efeitos
semelhantes ao aceite cambial, pois vincula o sacado ao pagamento do cheque. E porque o
fizesse, as mesmas dúvidas que os usos e costumes relativos ao cheque visado deram lugar,
entre nós, a partir da vigência da Lei Uniforme no país, continuam subsistentes depois
da Lei n. 7.357 /85, pois o ordenamento uniforme seria inderrogável pela legislação
ordinária.
Cheque cruzado e cheque
para ser creditado em conta. Denomina-se cheque cruzado aquele que o sacado só pode
pagar a outro banco. Definia-o o art. 12 do Decreto n. 2.591, ao dispor que "o cheque
cruzado, isto é, atravessado por dois traços paralelos, só poderá ser pago a um banco;
e, se o cruzamento contiver o nome de um banco, só a este poderá ser feito o
pagamento".
A Lei Uniforme referiu-se à espécie, ao dizer que o sacador ou o
portador de um cheque pode cruzá-lo. O cruzamento poderá ser feito tanto pelo emitente
quanto pelo portador do cheque, e uma vez lançado passa a constituir elemento essencial
do título, não podendo ser cancelado. Realiza-se o cruzamento mediante a aposição de
dois traços paralelos no anverso do título. Pode o cruzamento ser geral ou especial.
Será geral o cruzamento que consiste apenas nos dois traços paralelos, ou se entre eles
achar-se escrita a palavra banqueiro ou outra equivalente, e especial o que tem inserido
entre os dois traços o nome de determinado banco. Se o cheque tiver vários cruzamentos
especiais ele só poderá ser pago pelo sacado no caso de dois cruzamentos, um dos quais
para cobrança pela Câmara de Compensação.
Se o cruzamento é geral, o cheque só pode ser pago a um banqueiro ou
a cliente do sacado, através de crédito em conta. Mas, se especial o cruzamento, o
cheque só pode ser pago ao banqueiro designado, ou, se este é o próprio sacado, ao seu
cliente, mediante crédito em conta. O banqueiro designado pode, contudo, recorrer a outro
banqueiro para liquidar o cheque.
Como se percebe, a finalidade do cheque cruzado é evitar os riscos
tão comuns nos cheques ordinários, como perda, furtos, extravios, bem assim reduzir a
circulação do dinheiro.
O cruzamento, todavia, não faz o banco proprietário do cheque. Este
continuará pertencendo a seu legítimo portador, que pode transferi-lo a outrem, com a
única restrição de que o seu pagamento só por intermédio de um banco pode ser
realizado. Há no cruzamento um mandato sui generis, em que o mandatário tem os
poderes limitados ao recebimento da importância do cheque, não lhe sendo lícito sequer
exigir a sua quantia judicialmente. Recusado o pagamento pelo banco sacado, cumpre ao
interessado devolver o cheque ao seu portador, a fim de que ele possa agir contra o
emitente, pois as restrições no cruzamento são apenas para efeito da cobrança
extrajudicial.
A par do cheque cruzado, há ainda o cheque para ser creditado em
conta, que é aquele que não pode ser pago em dinheiro, devendo a respectiva importância
ser creditada em conta do beneficiário.
A Lei n. 7.357 /85 supriu lacuna existente em nosso Direito ao regular
o cheque para ser creditado em conta. Com efeito, subscrevendo a reserva ao art. 39 da Lei
Uniforme, o nosso Direito não admitiu a questionada cláusula para levar em conta.
Referida reserva, como se sabe, concerne ao cheque cruzado e ao cheque para ser creditado
em conta, e permitiu aos países convenentes que adotassem, em vez de ambas as modalidades
de cheque, apenas uma delas.
Nossa legislação interna já regulava o cheque cruzado, mas nela nada
se continha a respeito do cheque para ser creditado em conta. Ora, não existindo em nossa
legislação anterior à vigência da Lei Uniforme norma sobre o cheque para levar em
conta, e não tendo o Governo brasileiro legislado sobre a matéria, com a reserva do art.
18 do Anexo II, feita pelo nosso país, a conclusão a que então se chegara era a de que
entre nós não vigorava a figura do cheque para ser creditado em conta.
Foi, portanto, a Lei n. 7.357 /85 que supriu a apontada lacuna, ao
estabelecer que o emitente ou o portador do cheque possam proibir o seu pagamento em
dinheiro, mediante a inscrição em sentido transversal, no anverso do título, da
cláusula "para ser creditado em conta". Nesse caso o sacado só pode proceder a
lançamento contábil (crédito em conta, transferência ou compensação), que vale como
pagamento. Responde o sacado, até a concorrência do montante do cheque, pelo dano
resultante da inobservância da cláusula "para ser creditado em conta".
Cheque de viagem. É
aquele em que um mesmo banco figura, a uru só tempo, como emitente e sacado. De regra,
nesse tipo especial de cheque, pela sua própria finalidade, são diversas as agências
sacadora e sacada. Mas nada impede seja ele sacado pela mesma agência que deve pagá-lo.
A admissibilidade de cheques da espécie proveio do Decreto n.º
24.777, de 14 de julho de 1934, que, eliminando dúvidas a respeito, estabeleceu que
"os bancos e firmas comerciais podem emitir cheques contra as próprias caixas, nas
sedes ou nas filiais e agências".
Com base nessa autorização foi que então se introduziu no país o
conhecido cheque de viagem, que corresponde ao traveller's check do Direito
anglo-americano. A Lei n. 7.357 ressalvou a subsistência desse tipo de cheque, que
continua a reger-se pelas normas especiais a ele relativas.
Surgiu tal tipo de cheque da necessidade de segurança dos valores que
o viajante ou turista transportaria consigo.
Dessa forma, os bancos que operam com essa modalidade de cheques os
vendem isoladamente ou em talonário, tendo cada qual importâncias fixas impressas no seu
texto. Ao adquiri-los, o cliente apõe, em presença do banqueiro, a sua assinatura na
parte superior de cada cheque, bastando uma nova assinatura sua, no lugar indicado, para
transmiti-los à agência que deve pagá-los.
A circulação do
cheque. Na sua feição de título de crédito, o cheque caracteriza-se também pela
sua transmissibilidade. Embora como ordem de pagamento à vista devesse ser efêmera a sua
existência, a circunstância não importa dizer que não seja o cheque suscetível de
entrar em circulação. Com efeito, a circulação do cheque varia de acordo com a forma
que assumir. Na verdade, sob o ponto de vista de sua circulação, os cheques podem ser
classificados em nominativos, nominativos não à ordem e ao portador. Os nominativos são
os em que se estipula seja o seU pagamento efetuado a pessoa nomeada, com ou sem cláusula
expressa à ordem. Os nominativos não à ordem são os emitidos a favor de pessoa
nomeada, com a cláusula "não à ordem" ou outra equivalente. E, finalmente, os
cheques ao portador são os que não contêm indicação do beneficiário e os emitidos em
favor de pessoa nomeada com a cláusula "ou ao portador" ou expressão
equivalente.
Os cheques ao portador são os de circulação mais simples e fácil.
Basta que o cheque passe das mãos de uma pessoa para outra, para que se dê a sua
transferência. Nesses títulos, portanto, o possuidor presume-se proprietário.
Ressalve-se, todavia, que, acima de certo valor, não se admite a emissão de cheques ao
portador, como aliás já o notamos.
Diverso dos cheques ao portador, os cheques pagáveis a pessoa nomeada,
com a cláusula "não à ordem", ou outra equivalente, só se transmitem pela
forma e com os efeitos de cessão civil.
Enquanto isto os cheques pagáveis a pessoa nomeada, com ou sem
cláusula expressa "à ordem", circulam por meio do endosso, instituto típico
do Direito Cambiário.
O endosso do cheque tem por fim transferir o título, na sua inteireza,
considerando-se nulo o que reduza o valor por ele representado, ou que submeta a sua
transmissão a qualquer condição restritiva (Lei Uniforme, art. 15, n. l; Lei n. 7.357
/85, art. 18 e § 1?). A incondicionalidade e a indivisibilidade são, com efeito,
requisitos substanciais do endosso. Não vale também o endosso ao sacado, sendo que o a
ele realizado produz apenas o efeito de quitação, salvo no caso de o sacado possuir
vários estabelecimentos e o endosso ser feito em favor de estabelecimento diverso daquele
contra o qual o cheque foi emitido. Admite-se entretanto o endosso feito ao emitente, ou a
outro coobrigado do cheque, que podem novamente endossá-lo.
O endosso pode assumir diferentes espécies. Assim será em preto,
se mencionar o nome da pessoa a quem se transfere a propriedade do cheque, e em branco,
se não designar a pessoa beneficiária da transmissão. Se o endosso é em branco pode o
portador: completar o cheque com o seu nome ou com o de outra pessoa; endossá-lo de novo,
em branco ou a outra pessoa; transferi-lo a um terceiro sem completar o endosso e sem
endossar. Entrementes, o endosso pode não transmitir o título ao endossatário, mas
tão-somente conferir-lhe o encargo de, em nome do endossante, praticar os atos
relacionados com a vida do cheque, a exemplo do mandato civil. É o que se denomina de endosso
mandato, que, como lógico, não torna o endossante responsável para com o
endossatário. O endosso mandato se identifica pela cláusula "valor em
cobrança", "para cobrança", "por procuração", ou qualquer
outra que implique apenas mandato.
Cumpre observar, ainda, que o mandato contido nesse tipo de endosso se
não extingue pela morte ou superveniente incapacidade legal do mandante (Lei Uniforme,
art. 23, al. 3<; Lei n. 7.357 /85, art. 26, parágrafo único).
Ademais, o endosso deve ser firmado no cheque, ou numa folha a este
ligada, e assinado pelo endossante, ou seu mandatário com poderes especiais. A assinatura
do endossante, ou de seu mandatário com poderes especiais, pode ser produzida, na forma
da legislação específica, por chancela mecânica ou processo equivalente. Se o endosso
for em branco, à sua validade bastará a assinatura do endossante lançada no verso do
cheque ou em folha que lhe seja anexa. Se em preto, poderá ser firmado, indistintamente,
no verso ou anverso do cheque.
Por outro lado, o endossante garante o pagamento do cheque. Contudo,
pode ele proibir um novo endosso quando então, ocorrendo a violação do veto,- não
garante o pagamento do cheque às pessoas a quem ele haja sido posteriormente transferido.
Note-se, outrossim, que a data do endosso não constitui requisito
formal indispensável à sua validade. A Lei Uniforme, com efeito, só se refere a esse
requisito para firmar a presunção de que o endosso a que faltar data supõe-se passado
antes do protesto ou de findo o prazo legal de apresentação (art. 24, al. 2<). O que
for passado depois do protesto, ou após vencido o prazo de apresentação, operará
efeitos de cessão civil.
De resto, o endosso no cheque nominativo, pago pelo banco contra o qual
foi sacado, prova o recebimento da respectiva importância pela pessoa a favor da qual foi
emitido, e pelos endossantes subseqüentes. E se o cheque indicar a nota, fatura, conta
contábil, imposto lançado ou declarado a cujo pagamento se destina, ou outra causa da
emissão, o endosso, pela pessoa a favor da qual foi emitido, e a sua liquidação pelo
banco sacado provam a extinção da obrigação indicada. Com isto, a Lei n. 7.357/85
estendeu a todo pagamento por cheque princípio instituído pela Lei n. 4.728, de 1965, em
relação à duplicata.
Aval. O cheque,
assim como a nota promissória e a letra de câmbio, pode ter o seu pagamento, no todo ou
em parte, garantido por um aval.
O aval pode ser escrito em qualquer parte do cheque (verso ou anverso)
ou em folha de alongamento. Exprime-se pelas palavras "por aval" ou fórmula
equivalente, com a assinatura do avalista. Mas, tratando-se de aval por simples
assinatura, só pode escrever-se no anverso do título.
Prestado que seja o aval, o avalista assumirá obrigação igual à do
avalizado, por isso que deve aquele indicar o nome deste (aval em preto). Na falta dessa
indicação (aval em branco), considera-se outorgado o aval ao sacador.
O avalista se obriga da mesma maneira que o avalizado, subsistindo sua
obrigação ainda que nula a por ele garantida, salvo se a nulidade resultar de vício de
forma. Mas se paga o cheque, adquire todos os direitos dele provenientes contra o
avalizado e os obrigados para com este.
Apresentação e
pagamento. Ordem de pagamento à vista, o cheque reclama a sua apresentação ao
sacado. O direito do tomador ou beneficiário do cheque, de ser pago pela provisão de
fundos, condiciona-se à sua apresentação. Consiste esta num ato formal ou informal,
mediante o qual o portador do cheque, levando-o ao sacado, manifesta o propósito de
receber o seu valor.
A apresentação do cheque deve ser feita ao sacado ou banqueiro, a
quem a ordem é endereçada, por quem tenha qualidade para recebê-lo, que tanto pode ser
o mero possuidor, se, sendo isto possível, a ordem não identifica o beneficiário,
quanto o que for nominalmente mencionado pelo sacador. Poderá sê-lo também pelo
indicado no último endosso em preto, ou pelo seu representante. No particular convém
observar que o detentor de cheque "à ordem" é considerado portador legitimado,
caso prove o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo que o último seja
em branco.
Visto quem deve fazer a apresentação, assinalemos em seguida que à
apresentação do cheque à Câmara de Compensação equivale a apresentação a
pagamento. O prazo em que deve realizar-se a apresentação varia conforme se trate de
cheque a ser pago na praça de sua emissão ou em praça diversa. Na primeira hipótese, o
prazo será de trinta dias e, na segunda, de sessenta. É a regra imperante entre nós, em
caráter definitivo, desde a vigência da Lei n. 7.357/85, que encurtou para sessenta dias
o prazo que o Decreto n. 22.924, de 1933, fixava em cento e vinte para a apresentação do
cheque, quando emitido em lugar diverso do em que deve ser pago, mantido o prazo de trinta
dias, quando passado o cheque na mesma praça onde tem de ser pago.
Não vige, portanto, no país, o prazo, previsto no art. 29 da Lei
Uniforme, de oito dias para a apresentação do cheque emitido para ser pago no mesmo
país, pouco importando a diversidade das praças de emissão e pagamento.
Deixando o beneficiário do cheque de apresentá-lo ao sacado nos
prazos indicados, nem por isso a ordem perderá a sua eficácia, podendo o banqueiro
efetuar o pagamento, desde que haja suficiente provisão de fundos e não tenha ocorrido
revogação pelo sacador. É que, na hipótese de apresentação serôdia, a
conseqüência é a perda do beneficiário do direito de regresso contra endossantes e
avalistas, uma vez que para conservá-lo o portador não apenas deve apresentar o cheque
no prazo, mas ainda levá-lo a protesto ou comprovar essa apresentação, mediante
declaração do sacado ou da Câmara de Compensação.
Contra o sacador, de conseguinte, o portador não perde qualquer
direito pela apresentação tardia, salvo se aquele "tiver ao tempo suficiente
provisão de fundos e esta deixar de existir, sem fato que lhe seja imputável",
como, por exemplo, se o sacado entra em liquidação extrajudicial. A respeito estabelece
a Súmula 600 do Supremo Tribunal Federal, que "cabe ação executiva contra o
emitente e seus avalistas, ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal,
desde que não prescrita a ação cambiária".
Interessante observar, por outro lado, que, para o exercício de seus
direitos contra o sacador, o portador do cheque não está obrigado a demonstrar a falta
ou recusa de pagamento por meio de protesto, por isso que o Brasil manifestou reserva ao
art. 40 da Lei Uniforme, que o exigia.
Dir-se-ia, porém, que, ao admitir a reserva, a Lei Uniforme o fez para
permitir a faculdade de determinar, pelo que respeita aos cheques pagáveis no seu
território, que a verificação da recusa de pagamento prevista nos arts. 40 e 41 da Lei
Uniforme, para a conservação do direito de ação, deve ser por meio de protesto.
Entretanto, convém ser notado que, usando a reserva, o Governo
brasileiro regulou, ao seu modo, a questão da apresentação do cheque, não exigindo
protesto a esse fim, contentando-se com a declaração da recusa por falta ou
insuficiência de provisão de fundos.
Ao ser-lhe apresentado o cheque "à ordem", para pagamento, o
sacado é obrigado a verificar a regularidade da série de endossos, mas não a
autenticidade das assinaturas dos endossantes. A mesma obrigação incumbe ao banco
apresentante do cheque à Câmara de Compensação. Nem poderia ser de outra forma, pois
os bancos não teriam meios materiais de verificação da autenticidade de todos os
endossos. Não fosse assim tomar-se-ia praticamente impossível a circulação do cheque.
A responsabilidade pela autenticidade de cada endosso transfere-se ao endossante seguinte
e assim sucessivamente até ao último.
A regra, todavia, não é absoluta e sofre temperamentos, como no caso
de falsificação grosseira, quando então o pagante e os adquirentes são responsáveis
por terem obrado com culpa.
O sacado que paga o cheque pode exigir que ele lhe seja entregue
quitado pelo portador, a quem não é lícito recusar pagamento parcial. Nesse caso,
permite-se ao sacado exigir que o pagamento conste do cheque e que o portador lhe passe a
respectiva quitação.
Responde o banco pelo pagamento do cheque falso, falsificado ou
alterado, salvo dolo ou culpa do correntista ou beneficiário, dos quais o sacado poderá
reaver, no todo ou em parte, o que pagou. Sensível a essa responsabilidade pelo pagamento
do cheque, a nossa lei permite que ele condicione o pagamento de cheque mutilado, rasgado
ou partido, ou que contenha borrões, emendas e dizeres que não lhe pareçam formalmente
normais, à prestação de explicações ou garantias por parte do portador.
Tratando-se, outrossim, de cheque em moeda estrangeira deve ele ser
pago, no prazo da apresentação, em moeda nacional, ao câmbio do dia do pagamento,
obedecida a legislação especial. Caso o cheque não seja pago no ato da apresentação,
pode o portador optar entre o câmbio do dia da apresentação e o do dia do pagamento,
para efeito da conversão em moeda nacional.
Pluralidade de
apresentantes. Ocorrendo pluralidade de apresentantes de cheques diversos de um mesmo
emitente e não bastando a provisão existente em mãos do sacado, para a todos atender,
terá lugar o concurso de preferências de que trata o art. 40 da Lei n.º 7.357 /85.
Assim, "terão preferência os de emissão mais antiga. Se tiverem a mesma data,
serão preferidos os de número inferior".
Esclareça-se, no entanto, que não se inclui na hipótese da
apresentação simultânea, a que vimos de aludir, o concurso de dois ou mais cheques de
um só beneficiário. Nesse caso, a solução só pode ser uma: pagará o sacado, por
inteiro, o cheque cujo valor a provisão comportar, procedendo ao pagamento parcial do
outro, até o exaurimento dos fundos. Ou então, não bastando a provisão ao pagamento
integral de qualquer dos cheques, o sacado pagará em parte um deles apenas, sem
necessidade de preferência.
Revogação do cheque.
Questão interessante consiste em se saber se o cheque depois de passado admite ou não
contra-ordem de seu emitente.
Simples mandatário do sacador, o sacado estaria sempre adstrito às
suas ordens, pelo que lícito não lhe seria deixar de atender à revogação do cheque
cujo pagamento antes autorizara.
O problema, contudo, não tem comportado solução uniforme nas
legislações. Enquanto algumas, como as que se filiam ao velho sistema francês,
inadmitem a revogação do cheque, outras, como as que mais de perto seguiram o sistema
anglo-americano, admitem sem restrições a contra-ordem no cheque.
A Lei Uniforme segue o sistema germânico, ao dispor, no art. 32, que
"a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de
apresentação".
Embora não tivéssemos aderido à regra do ordenamento uniforme, a que
acima fizemos menção, pois em relação a ela o Governo brasileiro subscreveu a reserva
constante do art. 16 do Anexo II da Convenção de Genebra, acabamos a final por
adotá-la, ao dispor a lei nacional a respeito da matéria. Com efeito a Lei n. 7.357 /85
acolheu o mesmo princípio da Lei Uniforme, ao prescrever que a revogação ou
contra-ordem só será eficaz depois de expirado o prazo reservado a sua apresentação.
Essa revogação ou contra-ordem, porém, exige aviso epistolar, por via judicial ou
extrajudicial, e não dispensa a enunciação dos motivos que inspiram o ato.
Ao contrário da revogação ou contra-ordem que, como acabamos de
assinalar, só produz efeito depois de vencido o prazo de apresentação do cheque,
permite a nossa lei que o emitente ou portador legitimado possam sustar o pagamento do
cheque, mesmo durante o período de sua apresentação, desde que manifestem por escrito
oposição fundada em relevante razão de direito, que ao sacado não. cabe julgar.
Compensação de
cheques. A despeito das vacilações existentes sobre qual teria sido a mais antiga
Câmara de Compensação, parece induvidoso atribuir-se à Clearing House, de
Londres, no longínquo ano de 1773, a primazia entre os modernos institutos da espécie.
Seu aparecimento é explicado pelos pesquisadores históricos como
decorrente do costume dos empregados de bancos londrinos, encarregados pelos seus patrões
de receberem, diariamente, os cheques que detinham sobre outros bancos, de se reunirem
numa taberna próxima de London Street, para tomar cerveja. Na oportunidade, e no local,
os empregados, a princípio, trocavam os cheques de igual valor, voltando após à mesma
taberna para passarem o troco dos cheques de valores diferentes. Os banqueiros, conhecendo
da prática e de sua inegável utilidade, assimilaram-na, oficializando o sistema, com a
instalação do estabelecimento de compensação, denominado Clearing House, que
corresponde em nosso idioma às Câmaras de Compensação de Cheques.
Trata-se de particular aplicação da figura da compensação, meio
pelo qual se extinguem as obrigações até onde se compensarem, não em obediência ao
método tradicional da compensatio, entre um credor e um devedor reciprocamente
considerados, mas em caráter ampliado ou complexo, onde muitos credores e devedores,
reciprocamente, liquidam, pela maneira, as obrigações de que participam.
Depois de algumas experiências, aplicou-se o sistema em nosso país,
em 1921, quando se instalou definitivamente a Câmara de Compensação do Rio de Janeiro,
sendo presidente do Banco do Brasil José Maria Whitacker. Atualmente, diversas Câmaras
de Compensação existem em várias capitais e centros comerciais de vulto.
A Lei Uniforme, no Anexo II, ressalvou a faculdade de as partes
contratantes determinarem as instituições que, segundo as suas leis, deveriam ser
consideradas Câmaras de Compensação. No Brasil, os seus serviços estão a cargo do
Banco do Brasil (Lei n. 4.595, de 31-12-l964). A matéria, entre nós, acha-se regulada
pelo Manual de Normas e Instruções (MNI), do Banco Central, 3.9.
De acordo com o que prescreve o MNI, a compensação se processará por
troca direta de invólucros fechados, um para cada Participante Destinatário, contendo os
documentos a compensar a débito e a crédito, com as respectivas fitas de soma
devidamente autenticadas. O Remetente declara, expressamente, o saldo resultante da soma
dos documentos contidos no invólucro, assumindo por eles inteira responsabilidade.
Denomina-se Remetente o participante do Serviço de Compensação que
encaminhar documentos aos demais participantes, chamados Destinatários.
A compensação é processada, necessariamente, em duas sessões: a
primeira destina-se à troca de documentos entre os portadores e pode ser dividida em dois
ou mais horários, de conformidade com as necessidades e conveniências de cada praça; na
segunda sessão é efetuada a devolução dos documentos impugnados pelos destinatários.
Concluídos os trabalhos das sessões de troca e de devolução, o
Executante do Serviço de Compensação lança o resultado que cada Participante tiver
obtido na respectiva conta de Depósitos de Instituições Financeiras.
Prescrição.
Prescreve em 6 (seis) meses a ação do portador para cobrança do cheque do seu emitente,
endossantes e respectivos avalistas. Esse prazo, segundo nos pareceria decorrer da lei,
sempre se contaria da expiração do prazo reservado à apresentação do cheque. Diverso
porém tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para quem o "termo
inicial da prescrição previsto no art. 59 da Lei 7.357 de 1985, pressupõe que o cheque
não haja sido apresentado no prazo legal. Caso contrário, a prescrição passa a correr
da data da primeira apresentação" (REsp 45.512-0-MG, rel. Mi. Costa Leite, DJU, 9
maio 1994, p. 10872; v., também, REsp 47.149-4-MG, rel. Má. Cláudio Santos, DJU, 26
set. 1994, p. 25649).
Tratando-se de execução contra os endossantes e seus avalistas,
exige-se que o cheque tenha sido apresentado em tempo hábil e a recusa do pagamento seja
comprovada pelo protesto ou declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com
indicação do dia da apresentação ou ainda por declaração escrita e datada pela
Câmara de Compensação.
Contra o emitente, no entanto, o portador do cheque poderá valer-se da
execução, independentemente da apresentação do título em tempo hábil ou da prova de
recusa do seu pagamento, na forma acima indicada, salvo se o emitente tinha fundos
disponíveis durante o prazo de apresentação e os deixou de ter em razão de fato que
não lhe seja imputado.
Interessante registrar que, mesmo nos casos em que se exige o protesto
ou declaração equivalente, para que o portador se utilize do direito de ação, o seu
exercício independerá da exigência do protesto ou declaração equivalente: a) se a
apresentação ou o pagamento do cheque forem obstados pelo fato do sacado ter sido
submetido a intervenção, liquidação extrajudicial ou falência; b) se o emitente, o
endossante e o avalista, pela cláusula "sem protesto", ou outra que lhe faça
as vezes, lançada e assinada no título, dispensarem o portador do protesto ou da
declaração equivalente. Neste último caso, se a cláusula "sem protesto" é
lançada pelo emitente ela produzirá efeitos em relação a todos os obrigados, mas se
feita por endossante ou avalista, só em relação ao que a lançou produz ela efeito.
Tratando-se de ação de regresso de um obrigado ao pagamento do cheque
contra outro, a sua prescrição se dará também em 6 (seis) meses, mas contado esse
prazo do dia em que o obrigado pagou o cheque ou do dia em que foi demandado.
A prescrição interromper-se-á segundo as normas do Direito Comum
(CC, arts. 172 e s.). Essa interrupção, no entanto, não se operará senão em relação
à pessoa a que for dirigido o ato interruptivo (Lei Uniforme, art. 53).
Mas, prescrita que acaso seja a ação cambiária, nem por isso o
portador do cheque ficará impedido de reembolsar-se da quantia desfalcada de seu
patrimônio. Nesse caso, poderá valer-se da ação do art. 61 da Lei n. 7.357 /85, que é
subsidiário em matéria do cheque. Essa ação, que se funda na obrigação resultante do
enriquecimento ilícito, está autorizada pelo art. 25 do Anexo à Convenção de Genebra,
ao dispor que "Qualquer das Altas Partes Contratantes tem a liberdade de decidir que,
no caso de perda de direitos ou de prescrição, no seu território subsistirá o direito
de procedimento contra o sacador que não constituir provisão ou contra um sacador ou
endossante que tenha feito lucros ilegítimos".
A ação de enriquecimento, que prescreve em dois anos do dia em que se
consumar a prescrição, é admissível contra o emitente ou outros obrigados, que se
locupletaram injustamente com o não-pagamento do cheque.
Direito Penal relativo
ao cheque. A Lei Uniforme não se ocupou de delitos e sanções penais relativos ao
cheque, deixando o aspecto inteiramente voltado às legislações internas de cada Estado.
Assim, estabeleceu que "Qualquer das Altas Partes Contratantes tem a faculdade de
determinar em que momento deve o sacador ter fundos disponíveis em poder do sacado".
Também a nossa Lei n. 7.357 /85 não tratou do problema penal do
cheque, que deixou confiado à legislação criminal existente, ao dispor que "os
efeitos penais da emissão do cheque sem suficiente provisão de fundos, da falsidade, da
falsificação e da alteração do cheque continuam regidos pela legislação
criminal" (art. 65).
No atual estágio do nosso Direito, as figuras ilícitas que impedem a
realização do cheque ou desvirtuam a sua finalidade podem ser agrupadas em três grandes
categorias: a) a primeira relaciona-se com a insuficiência de provisão; b) a segunda diz
respeito à contra-ordem de pagamento; c) a terceira caracteriza-se pelo desvio de
finalidade do cheque, a quem se confere o papel de verdadeiro título de crédito.
Quanto aos ilícitos sobre a provisão é de mister assentar que, em
nosso Direito, não incide em crime algum quem, não tendo à data da emissão fundos
disponíveis, nenhum prejuízo causou ao portador do cheque, que foi pago na
apresentação. Assim o é porque o delito de emissão de cheque sem fundo constitui crime
contra o patrimônio, consistente na fraude no pagamento por meio de cheque. Nesse sentido
dispõe a Lei n. 7.357/85 que a existência de fundos é verificada no momento da
apresentação do cheque para pagamento (art. 4º, § 1º).
O Código Penal vigente prevê o delito de fraude no pagamento mediante
cheque no art. 171, § 2?, VI, classificando-o como uma das formas de estelionato.
Destarte, sem o dolo, sem a intenção de fraudar, sem o efetivo
prejuízo causado ao portador do cheque, não se configura o mencionado crime. Daí por
que não assiste razão a quantos, como o Prof. Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto,
entendem que o crime se manifesta pela simples assinatura do cheque e sua entrega à
circulação sem fundos disponíveis, mesmo que posteriormente venha a ser pago.
Vê-se, pois, que, em nosso Direito, o emitente pode sacar o cheque,
pondo-o em circulação, desde que antes de sua apresentação ao sacado providencie os
fundos que permitam o seu pagamento.
Não se limitando a caracterizar o crime como de emissão de cheque sem
fundos, a lei não se teria revelado apta a evitar a proliferação de cheques em tais
condições, o que tanto há contribuído para a desmoralização do instituto. Aliado a
isto, some-se a complacência de nossos juizes para com o fato, já se tendo mesmo firmado
jurisprudência que descaracteriza o delito, se o cheque é pago antes do oferecimento da
respectiva denúncia.
De outra face, ao estudarmos a questão atinente à revogação do
cheque, vimos a posição a que se filiou o Direito nacional diante do problema.
Embora admita a contra-ordem no cheque, para produzir efeito depois de
fluído o prazo de apresentação, a nossa lei pune a pessoa que a ela recorre sem motivo
legal. A hipótese pode configurar a espécie de estelionato de que estamos a cuidar, por
isso que o art. 171, § 2º, Vl, do Código Penal incrimina a conduta de quem frustra o
pagamento do cheque por meio de contra-ordem a que não corresponda motivo legítimo.
Realmente, segundo o Código Penal, a figura delitual de " fraude no pagamento por
meio de cheque" compreende a emissão de cheque sem fundos e a frustração de seu
pagamento.
Ademais, cumpre ainda aludir, entre as figuras ilícitas a que o cheque
pode dar lugar, ao desvirtuamento de sua finalidade, consistente em fazer circular o
cheque sabendo o portador da impossibilidade de vir ele a ser plenamente realizado em face
da inexistência de provisão. Nessa hipótese, quando o tomador do cheque sabe
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