Textos & Artigos - Direito Civil

Apostila de Direito Civil II

  Professor responsável: Joaristavo Dantas de Oliveira

  Autor: Joaristavo Dantas de Oliveira

Curso de Direito Civil II - FADISC - 2º sem./1998

DOS FATOS JURÍDICOS

1. Conceito e classificação

    Estudamos anteriormente os titulares dos direitos subjetivos, ou seja, as pessoas, naturais ou jurídicas. Vimos também o que em grande número de situações constituem o objeto do direito, isto é, os bens, estudando-lhes a classificação. Agora abordaremos o conteúdo do Livro III do Código Civil, que é constituído fundamentalmente pelos FATOS JURÍDICOS, além de dispor sobre o instituto da prescrição.

    Pois bem. Fatos, de um modo geral, são, no sentido comum, acontecimentos que se dão no dia-a-dia das pessoas, sejam acontecimentos decorrentes da natureza, sejam acontecimentos em que se apresente a ação humana. Fatos jurídicos são os fatos que têm relevância no mundo do direito, têm relevância jurídica, uma vez que produzem efeitos jurídicos. Em outras palavras, são fatos dos quais decorrem as relações jurídicas, decorrem os direitos subjetivos, decorrendo conseqüentemente, também, os deveres, as obrigações. Podemos dizer que fato jurídico, que alguns autores chamam também de fato jurígeno (i. é, gerador de direito), é o fato do qual advém a aquisição, a conservação, a modificação ou a extinção dos direitos subjetivos.

    Podemos classificar inicialmente os fatos jurídicos em fatos naturais e fatos que contam com a ação humana, com o agir do ser humano. Os primeiros (fatos jurídicos naturais) são aqueles que se dão sem a intervenção do homem, advindo da própria dinâmica da Natureza; mas nem por isso deixam de produzir efeitos jurídicos, de criar, modificar ou extingüir relações jurídicas, e por tal razão é que recebem a denominação de fatos jurídicos. Como exemplo de fatos jurídicos naturais podemos mencionar o nascimento, a morte, a formação de ilhas e o abandono do álveo ou leito, por parte de um rio ou curso d'água. Do nascimento de uma pessoa advêm direitos diversos, como o direito a alimentos, o direito ao exercício do pátrio poder, etc. E da morte de alguém podem surgir principalmente os direitos sucessórios para a pessoa dos herdeiros, ou se extingüirem direitos personalíssimos de que o defunto era titular, como o direito a alimentos. Do abandono de álveo ou da formação natural de uma ilha se origina o direito de propriedade para alguém, em relação à ilha formada ou à área do antigo leito do curso d'água.

    Já os fatos jurídicos que contam com ação humana são diferentes, na medida em que uma pessoa ou mais de uma atuam em sua ocorrência, como se dá na elaboração de um testamento ou na celebração de um contrato de compra-e-venda relativo a um bem imóvel, por exemplo. Tais fatos, exatamente pela razão de contarem com a participação do homem, recebem o nome genérico de ATOS, bipartindo-se em atos jurídicos e atos ilícitos, cuja diferenciação veremos a seguir.

    Segundo a sistemática de nossa lei, os atos jurídicos são aqueles atos efetuados de acordo com o ordenamento legal, atos que não afrontam a ordem jurídica e cujos resultados estão no querer do agente. São portanto atos lícitos, dos quais decorrem aquelas conseqüências de que já falamos. O contrato de compra-e-venda, o contrato de locação, a feitura de um testamento, podem ser citados como exemplos de atos dessa natureza.

    No outro extremo temos os chamados atos ilícitos, dos quais advêm também resultados e conseqüências na órbita do mundo jurídico, mas são resultados e conseqüências que não estão no querer do agente, mas decorrem da própria lei. São, d’outra parte, atos que contrariam a ordem jurídica, pois imbuídos de culpa do agente; falamos de culpa lato sensu, ou seja, abrangendo o dolo, a intenção, bem como a caracterizada só pela imprudência, negligência ou imperícia. Como exemplo podemos dar a provocação de danos materiais a determinada pessoa, num acidente de trânsito em que um motorista aja com imprudência: ficará ele responsável pelo ressarcimento dos danos experimentados pela vítima, responsabilidade essa que se denomina RESPONSABILIDADE CIVIL É evidente que, neste caso, o agente do ato não desejava, previamente, a conseqüência jurídica que de seu ato adviria: ela decorrerá simplesmente da lei, como imposição em razão do resultado lesivo que ele provocou.

    Há que se distinguir, ainda, em meio aos atos jurídicos, que são lícitos, aqueles atos que se podem chamar de meramente lícitos. Trata-se de atos em que não existe uma vontade pré-determinada, do agente, na aquisição do resultado, do direito, pôr exemplo. É o que se dá na descoberta de um tesouro, ou de uma pérola no fundo do mar; em ambos os casos, não há um fazer do agente, com a determinação preordenada de obter um resultado jurídico. É diferente no contrato de compra-e-venda, em que os agentes do ato jurídico o fazem conscientemente, e com a intenção preexistente de adquirir o domínio de um bem, ou de aliená-lo. Aqui estaremos diante do que se chama de NEGÓCIO JURÍDICO (do latim nec otium, isto é, ausência de ócio). Apesar de o Código atual não fazer essa distinção, é interessante lembrar que o futuro Código a faz, aliás na esteira do que já ocorria, de há muito, na doutrina civilista. Sílvio Rodrigues menciona, a propósito dessa distinção, que nos negócios jurídicos há o intuito negocial, o qual inexiste nos denominados atos meramente lícitos.

 

2. Aquisição dos direitos

    No art. 74, o Código Civil estabelece proposições doutrinárias a respeito da aquisição de direitos. Em primeiro lugar, diz no inc. I que os direitos podem ser adquiridos mediante ato do adquirente ou através de outrem. Desta forma, podem os direitos ser adquiridos pela própria pessoa, de forma direta, ou através do mecanismo jurídico da representação, que pode ser legal (representação do incapaz) ou convencional (representação por mandatário). Mas existe certa imprecisão na afirmativa de que os direitos podem ser adquiridos mediante ato do adquirente ou ato de outrem: em verdade, há direitos que se adquirem sem qualquer ato de quem quer que seja, como no caso da formação de ilha, da aluvião, da invenção, etc. Observe-se que a palavra "invenção", em sua acepção jurídica, tem o significado de "descoberta", "achado", pois advém do latim "invenire", que significa "achar", "descobrir", e de cuja raiz adveio também a palavra "inventário"; a acepção jurídica é, portanto, diferente do sentido comum da palavra.

    No inciso III, do artigo ora comentado, faz a lei uma distinção entre duas modalidades de direito: 1. O direito atual ou direito adquirido, que é aquele cuja aquisição se completou, estando, portanto, apto a ser exercido: 2. O direito futuro, conceituado como aquele cuja aquisição não se acabou de operar. O direito futuro, por sua vez, e de acordo com o previsto no parágrafo único, subdivide-se em direito futuro deferido e direito futuro não deferido. O primeiro (deferido) tem a aquisição a depender apenas da vontade do sujeito, como o direito à herança numa sucessão aberta, que para ser adquirido precisa ser aceito pelo herdeiro. Já o direito futuro não deferido é o que se subordina à ocorrência de fato ou implemento de condição, ambos falíveis (tanto o fato quanto a condição), ou seja, podem se dar ou não. Podemos dar como exemplo, dessa última hipótese, o direito de propriedade a ser adquirido pelo donatário através de um contrato de doação em que o doador subordine o efetivo recebimento do bem doado ao término, ao cabo de determinado tempo, de uma guerra que grasse no país. O direito futuro não deferido é mais amiúde denominado direito condicional, ou eventual, não fazendo o nosso legislador qualquer distinção entre as duas expressões (direito condicional e direito eventual), apesar de alguns autores diferenciarem-nas.

    No inciso II refere-se o Código à estipulação em favor de terceiro, a cujo respeito se encontram regras específicas nos artigos 1.098 a 1.100. Esse tipo de estipulação, ou cláusula, não beneficia o contratante ou declarante, mas a terceira pessoa, como na hipótese de, ainda num contrato de doação, se convencionar, como encargo, para o donatário, a concessão de uma bolsa de estudos a determinada pessoa.

    Pode-se falar ainda na chamada expectativa de direito, que é a mera esperança numa futura aquisição, como se dá em relação ao direito à futura herança, por parte do futuro herdeiro de alguém que obviamente ainda não faleceu (ou seja, ainda não se abriu a respectiva sucessão); pode ocorrer que, no momento da abertura da sucessão, não haja mais qualquer patrimônio a ser herdado...

    A expectativa de direito não tem relevância na ordem jurídica, porque a rigor nada significa, constituindo um nada.

    Partindo da mera expectativa de direito, percebe-se que há uma gradação em categorias que são cada vez mais significativas para o sujeito futuro ou atual: o direito futuro condicional, o direito futuro deferido e finalmente o direito puro e simples, que é o direito atual, adquirido, ao qual o ordenamento jurídico empresta total possibilidade de defesa. Mas ao direito condicional se garante o exercício de atividades tendentes a sua conservação, conforme se observa na redação do art. 121.

    Como exemplo de direito atual, ou adquirido, podemos citar o direito à aposentadoria, por parte de servidor público cujo regime de trabalho assegure o requerimento de tal benefício após trinta anos de serviço, e que tenha completado esse lapso temporal. Mesmo que lei posterior aumente o limite para trinta e cinco anos, ele poderá, a qualquer tempo, requerer sua aposentadoria, uma vez que seu direito fôra adquirido sob o regime anterior.

    A aquisição do direito pode ser de modo originário ou derivado. Pelo modo originário, se adquire o direito sem que tenha havido uma transmissão, sem que tenha havido um imediato titular anterior que o transferiu ao atual titular (ex.: a aquisição da propriedade imóvel por acessão, como se dá na aluvião ou na formação de ilha; a aquisição de propriedade móvel através da invenção (v. observação acima a respeito do significado jurídico da palavra), como se dá no encontro de uma pérola no fundo do mar.

    A aquisição do direito de forma derivada ocorre quando é o mesmo adquirido pela transmissão de outrem; ou seja, o direito teve um titular anterior, que o transferiu ao atual. Exemplo clássico é o da compra-e-venda, em que o direito de propriedade se transmite de alguém para outrem. Outro exemplo é a aquisição do direito através da herança, pois neste caso se dá a transmissão causa mortis, isto é, a transferência advém da morte do titular anterior.

    A distinção é relevante na medida em que, adquirido o direito de modo derivado, ele se transmite ao adquirente com todas as características que detinha em mãos do titular anterior. Trata-se de obediência ao princípio vetusto, advindo do direito romano, de que ninguém pode transferir a outrem mais do que tem. Assim, se o direito é transmitido com algum vício ou gravame (hipoteca, penhor, etc.), por exemplo, o vício ou gravame o acompanham, irrefragavelmente.

    Adquirem-se os direitos, também, a título singular ou a título universal. Diz-se a aquisição a título singular quando o sujeito recebe um direito determinado, concretizado, ou mesmo mais de um direito, desde que todos determinados, concretos. É o que ocorre na compra-e-venda, quando o adquirente adquire o direito de propriedade de um veículo automotor, por exemplo, adquirido de outrem; outro exemplo é o do legatário, que recebe causa mortis uma coisa determinada, destacada do patrimônio ativo do testador e autor da herança. D'outra parte, a aquisição é a título universal quando o adquirente recebe uma universalidade de direito, ou seja, o adquirente sucede o titular anterior na totalidade de seus direitos, ou numa parte-alíquota dessa totalidade, de modo abstrato ou ideal, como acontece em relação ao herdeiro().

    A aquisição dos direitos se diz inter vivos quando o fato jurídico gerador da aquisição opera sem a interferência do fator morte. Se se tratar de negócio jurídico, os efeitos se operam em vida dos partícipes, como num de locação de automóvel ou numa compra-e-venda. Em se tratando de aquisição causa mortis, para que o sujeito adquira o direito é necessário um evento morte. Isso é o que se dá na aquisição da herança ou de um legado deixado por testamento.

    Finalmente podem-se adquirir os direitos a título oneroso ou a título gratuito. Na primeira hipótese, quando há uma contraprestação por parte do adquirente; nesse caso, há sempre uma correspondente diminuição no patrimônio do adquirente do direito (exs.: a. direito aos alugueres, por parte do locador, num contrato de locação residencial; b. direito de propriedade de um automóvel, adquirido através da entrega advinda de um contrato de compra-e-venda, pois o adquirente necessitou desembolsar o preço).

    A título gratuito se adquire um direito, d'outro lado, quando o sujeito adquirente não sofre qualquer desfalque patrimonial, não fica sujeito a uma contraprestação (exs.: a. direito adquirido por herança; b. direito adquirido em decorrência de uma cessão gratuita ou doação pura e simples).

 

3. Defesa dos direitos

    Como vimos, o fato jurídico pode ser conceituado como o fato capaz de provocar a AQUISIÇÃO, a MODIFICAÇÃO e o PERECIMENTO de direitos. Mas, adquirido o direito, em muitas situações é necessário conservá-lo, e por isso o ordenamento jurídico concede a todo direito subjetivo um direito de ação, conforme está dito no art. 75 do Código Civil: "A todo o direito corresponde um ação, que o assegura".

    Assim, se houver violação do direito, ou a pretensão por ele ensejada não for satisfeita espontaneamente pelo responsável pelo dever, ou pela obrigação, caberá ao titular do direito a possibilidade de invocar o Estado-Juiz (Poder Judiciário) com o escopo de fazer prevalecer seu direito. Se assim não fosse, o direito subjetivo seria completamente inócuo; aliás, é exatamente isso que constitui a diferença básica entre a norma de direito e a norma da moral: a primeira tem a força coercitiva do Estado, para fazê-la prevalecer em favor do titular do direito.

    Desta forma, sempre que, no plano do direito material ou substantivo, houver um direito subjetivo, haverá correspondentemente um outro direito subjetivo, que é o direito de ação, que a doutrina processualista mais moderna entende como um direito subjetivo em face do próprio Estado, a fim de fazê-lo intervir para a garantia do direito material de que é titular o sujeito. Destarte, o direito de ação está sempre na órbita do direito público.

    O meio normal para defender um direito é a ação judicial. Há, todavia, a possibilidade de que o titular faça a defesa de forma direta e privada, sem a intervenção do aparelho estatal. Tratam-se de casos isolados e excepcionais, evidentemente, pois existe sempre a possibilidade de abuso na utilização desses recursos de defesa particular. Entre esses casos de defesa privada, está o direito de retenção, que o possuidor de boa fé tem para garantir o ressarcimento de despesas com benfeitorias necessárias. Outro exemplo é o do art. 502 do Código Civil, isto é, a defesa da posse. Podemos citar ainda o art. 558, bem como o penhor legal, previsto nos artigos 776 e seguintes do Código Civil.

    Com relação ao direito de ação, há duas teorias. A primeira, chamada teoria unitária, considera que o direito de ação se confunde com o direito subjetivo a ser tutelado. Mas tal teoria está superada, principalmente em função das doutrinas processualistas alemã e italiana; hoje, predomina entre os estudiosos o entendimento de que o direito de ação tem completa autonomia, e por isso mesmo tal teoria é conhecida como autonomista.

    Há a proteção judicial para os direitos que o Código chama de atuais, isto é, os direitos já adquiridos. Tutela existe, também, em relação aos direitos futuros deferidos, cuja aquisição depende exclusivamente da vontade do respectivo titular. Já quanto aos direitos futuros não deferidos, que chamamos de direitos eventuais ou condicionais (o CC não distingue as duas expressões, conquanto parte da doutrina caracterize à parte os direitos eventuais), são permitidos atos destinados a sua conservação, consoante está expresso no art. 121 do CC: "Ao títular do direito eventual, no caso de condição suspensiva, é permitido exercer os atos destinados a conservá-lo".

    Sob uma ótica prática, podemos dizer que não existe direito sem ação (art. 75 do CC). Por outro lado, é irrelevante a denominação da ação: o importante é que o interessado esclareça qual o direito violado, ou não satisfeito, e qual a sua pretensão perante o Judiciário.

    Estabelece o art. 76 que para propor uma ação, ou contestá-la, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral, acrescentando o § único que o interesse moral só autoriza a ação quando diga respeito, diretamente, ao autor, ou a sua família. Efetivamente, ao Poder Judiciário não é dado interferir para a solução de questões abstratas, ou meramente acadêmicas. É preciso que o titular do direito manifeste interesse processual, a chamada legitimatio ad causam (legitimação para a causa), que consiste exatamente na necessidade de bater às portas do Judiciário para a defesa do direito (podemos dizer também que para haver o interesse urge que haja adequação da ação com a proteção pretendida). O interesse pode ser econômico ou moral, sendo que este último deve dizer respeito ao próprio autor, diretamente, ou a sua família, como está dito no parágrafo único do dispositivo ora comentado. Hoje está fora de controvérsia até a indenizabilidade do dano moral, conforme expressa previsão constitucional (CF, art. 5º, inciso V).

    A ação para negar a paternidade de filho nascido de sua mulher, por parte do marido, pode ser citada como exemplo de ação em que deve estar implícito o interesse moral que toca diretamente ao autor (art. 344). Trata-se de uma ação personalíssima, cujo ajuizamento só cabe ao marido. Por outro lado, como exemplo de ação em que está ínsito o interesse moral concernente à família, podemos mencionar a ação anulatória de casamento de pessoa que não tenha a idade legal para o matrimônio; essa ação pode ser aforada por qualquer parente em linha reta do cônjuge menor, e também por qualquer parente colateral de segundo grau.

    É desnecessário dizer que o interesse manifestado deve ser lícito. Ninguém pode, por exemplo, ajuizar ação para o recebimento de dívida de jogo, porque a ordem jurídica não oferece seu poder coercitivo para o recebimento desse tipo de dívida.

 

4. Perecimento dos Direitos

    Como vimos, o fato jurídico provoca sempre um reflexo na órbita jurídica, propiciando a aquisição, modificação ou perecimento dos direitos. Assim, uma vez adquirido um determinado direito, ele persiste, na titularidade de seu sujeito ativo, até o respectivo perecimento, ou extinção. E esse perecimento se dá quando vem a faltar um dos elementos do direito, que são o sujeito, o objeto e a tutela jurídica.

    O chamado direito personalíssimo se extingue com a própria extinção, ou falecimento, do respectivo titular, porque o direito personalíssimo, como diz o próprio nome, não se transmite a outrem. Pode-se dar como exemplo o direito a alimentos: morto o alimentando, extingue-se o direito, perece o direito, porque o alimentando não o transmite, causa mortis, a seus herdeiros.

    O direito, como dissemos acima, também pode perecer quando perece a respectiva tutela legal. Foi o que ocorreu com o direito de propriedade sobre os escravos, quando se deu a abolição da escravatura: esse direito pereceu exatamente porque a ordem jurídica retirou a tutela legal sobre o mesmo, abolindo o sistema de escravidão.

    O simples desuso, ordinariamente, não faz perecer o direito. Mas excepcionalmente isso pode ocorrer, como se dá com o direito à servidão predial, que se extingue pelo não-uso, por dez anos consecutivos (v. art. 710, inc. III).

    O art. 77 do Código Civil reza que "perece o direito, perecendo o seu objeto". Esse dispositivo, conforme se vê, fala da extinção dos direitos apenas em relação ao perecimento do objeto.

    No art. 78, o Código discrimina as hipóteses em que se dá o perecimento do objeto. Em primeiro lugar, perece o objeto do direito quando se dá a perda de suas qualidades essenciais, ou o valor econômico. O objeto perde as qualidades essenciais quando não é mais possível que se destine às suas finalidades intrínsecas, como se dá com o solo invadido pelo mar. Quanto à perda do valor econômico, pode-se exemplificar com as cédulas (dinheiro) em relação às quais decorreu o prazo de validade, sem o respectivo recolhimento.

    No inciso II do artigo 78 o C.C. se refere à mistura de líquidos e sólidos (artigos 615 a 617), em que pode ocorrer a comistão, a confusão ou a adjunção.

    Também perece o objeto do direito, e conseqüentemente também o direito, quando fica em lugar de onde não pode ser retirado. Desta hipótese podemos dar como exemplo, ainda permanecendo no âmbito do Direito de Propriedade, a perda de um anel de brilhantes que caia no fundo do mar.

    Nos artigos 79 e 80, o C.C. se refere à possibilidade de responsabilização civil, se o bem perecer por culpa de outrem. Inclusive há não só referência à responsabilidade chamada aquiliana (extracontratual), prevista no art. 159 do C.C., como à responsabilidade contratual em face daquele que tem o dever jurídico de conservar a coisa e a deixa perecer (V. art. 80).

    Podemos ainda mencionar outras hipóteses de perecimento do direito pelo falecimento do titular, por se tratar de direitos personalíssimos: a) a preempção, ou direito de preferência na compra-e-venda, o qual não se pode ceder nem passa aos herdeiros, conforme a dicção do art. 1.157; b) o direito autoral, no caso previsto no art. 48, inc. I, da Lei de Direitos Autorais (Lei n. 5.988/73).

    D'outro lado, é de se citar ainda a extinção do direito real de uso referente à servidão predial, quando há a reunião do prédio serviente e do prédio servido no domínio da mesma pessoa (art. 710, inc. I).

    Finalmente, pode-se mencionar como causa de extinção de um direito a prescrição, porque com a perda da ação o titular perde o próprio direito, pela retirada da tutela legal destinada a dar-lhe proteção jurídica.

 

DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

1. Conceito

    No Título I deste Livro III da Parte Geral, que será objeto de nossos estudos a partir de agora, o legislador de 1916 estabelece o conceito do ato jurídico, que é identificado por Sílvio Rodrigues com o negócio jurídico (são, para ele, expressões sinônimas, mesmo porque o estatuto de 1916 também não faz distinção entre ambas). Também vamos discorrer usando a denominação geral de negócios jurídicos, indiferentemente, apesar de sabermos a distinção entre estes e os chamados atos meramente lícitos, ou atos jurídicos stricto sensu, como preferem dizer alguns. De se observar que o futuro Código Civil, como vimos, também faz a distinção, tendo um único artigo sobre o ato jurídico meramente lícito.

    São feitas, no Título I em comentário (do atual Código), considerações gerais sobre o negócio jurídico, para em seguida se analisarem seus defeitos, suas modalidades e forma, reservando-se ainda um capítulo para o estudo das nulidades dos negócios jurídicos.

    Segundo o que dispõe o art. 81, é negócio jurídico todo ato lícito que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. Assim exige-se antes de tudo que o ato seja lícito. Desta forma, se o indivíduo pratica um ato, não contrário à ordem jurídica, com um objetivo determinado, ele obtém de forma imediata esse objetivo, como na compra e venda de um imóvel, em que o comprador pretende se tornar proprietário de um imóvel residencial, por exemplo, o que vem efetivamente a ocorrer com a realização do negócio jurídico.

    O que importa ressaltar é que o ato praticado seja lícito, ou seja, não contrarie a lei, a moral ou os bons costumes. Se isto se der, isto é, se o negócio praticado for lícito, o objetivo do agente do ato será alcançado. Essa possibilidade de realização de qualquer negócio jurídico, que não afronte a licitude, é o que se chama de autonomia da vontade; essa autonomia esbarra exatamente naquele ponto em que haja, por parte do ordenamento jurídico, uma proibição à prática do ato.

    Uma vez que o desiderato objetivado pelo agente, ou pelos agentes do negócio, esteja em conformidade com a ordem jurídica, empresta o Poder Público sua força coercitiva ao negócio entabulado, para que os titulares dos direitos dele decorrentes possam se valer do Judiciário para fazer valerem tais direitos, se necessário, pois a todo direito material corresponde, como vimos, um direito de ação (art. 75). Existe desde os romanos um adágio bastante conhecido, expresso na frase latina "pacta sunt servanda", que significa que os pactos, ou contratos, devem ser obedecidos. Em outras palavras, pode-se dizer que as avenças constituem lei entre as partes, desde que se harmonizem com a ordem jurídica.

    Em todo negócio jurídico, elemento primordial é a vontade humana, manifestada pelo agente ou agentes, vontade essa que se exterioriza através de uma declaração; quando essa vontade não se apresenta, ou é manifestada de modo viciado, ou defeituoso, o negócio jurídico poderá ser declarado nulo ou ser desfeito, conforme veremos na ocasião oportuna.

    A vontade humana pode se manifestar de modo expresso (oral, escrito ou por gestos) e de modo tácito, quando é induzida do silêncio do agente, aliado a seu comportamento, como se dá na aceitação da herança (art. 1.581).

 

2. Pressupostos de validade do negócio jurídico.

    No art. 82 o Código estabelece os chamados pressupostos de validade, ou requisitos de validade do negócio jurídico. Trata-se de requisitos indispensáveis: a ausência de um só deles basta para que o negócio jurídico inexista, como tal. São eles: a) agente capaz; b) objeto lícito: e c) forma prescrita ou não defesa em lei, isto é, não proibida em lei.

    Em primeiro lugar, é preciso que o agente do negócio jurídico seja plenamente capaz. Ou seja, que tenha a chamada capacidade de fato, sem o que não poderá participar diretamente do negócio jurídico, devendo fazer-se representar. Caso não ocorra tal representação, ou ao menos a assistência de alguém, o negócio jurídico poderá ser declarado nulo ou anulado (artigos 145 e 147).

    Em princípio é necessário que o agente seja plenamente capaz, para agir sem a participação de outrem. Caso seja apenas relativamente capaz, como o menor entre dezesseis e vinte e um anos, deverá ser assistido pelo seu representante legal; isso porque é o próprio agente quem intervém no negócio jurídico, mas como a lei atribui certa deficiência a sua vontade, é mister que ele seja assistido pelo representante. Excepcionalmente há situações em que ao menor relativamente incapaz se autoriza a realização direta do negócio jurídico, como na feitura de um testamento, por exemplo; com efeito, o testamento pode ser feito por um menor entre dezesseis e vinte e um anos, sem sequer estar assistido por seus pais (art. 1.627, inc. I).

    É de se lembrar que os dispositivos legais que determinam a representação dos incapazes visam antes de tudo protegê-los, dado que se trata de pessoas cujo nível de discernimento é no mínimo menor que o das outras pessoas. Veja-se o art. 83 do Codigo Civil, que proíbe que alguém invoque, em proveito próprio, a circunstância de haver realizado um negócio jurídico com pessoa incapaz.

    Por falar em representação, devemos ainda nos lembrar de que, além da representação dos incapazes (representação legal), há também a denominada representação convencional, contratual ou voluntária, que é aquela oriunda do contrato de mandato; a pessoa tem a capacidade de fato, mas por uma razão ou outra precisa se fazer representar por outrem, outorgando poderes para uma representação judicial ou extrajudicial (e o fará por meio, respectivamente, de uma procuração "ad juditia" ou "ad negotia"). A procuração é o instrumento do contrato de mandato.

    O segundo pressuposto de validade do negócio jurídico é a existência de objeto lícito. O objeto do ato não pode destoar da lei, não pode afrontar o ordenamento jurídico, devendo-se entender aí tanto a afronta à lei propriamente dita, como a afronta à moral e aos bons costumes. É preciso que o objeto do negócio jurídico, portanto, não colida com os interesses gerais da coletividade. Assim, um negócio que vise a cessão de mulheres para fins de prostituição tem uma finalidade ilícita (ou objeto ilícito), não colhendo, portanto, o foro de juridicidade do Poder Público, ou seja, não podendo se perfazer como negócio jurídico. Outro exemplo: a compra e venda de substância entorpecente.

    É obviamente necessário que o objeto do negócio jurídico seja não só lícito, possível juridicamente, como também que seja possível fisicamente. Um negócio que tenha por prestação uma viagem ao planeta Júpiter não poderia ser negócio jurídico, uma vez que tal prestação é impossível. Aí pode-se dizer que inexiste objeto, dada a impossibilidade concreta de sua consecução.

    Há um antigo adágio que diz não poder ninguém ser admitido em Juízo, para reclamar de algo, alegando sua própria torpeza. Isso se aplica como uma luva à questão agora focalizada, porque se alguém é agente de um negócio cujo objeto seja ilícito, não poderá pretender eventual indenização pelo prejuízo que lhe adveio de tal negócio; isso porque afrontaria a dignidade do Judiciário que este pudesse albergar uma pretensão, em tais condições. Por isso, a regra, que comporta exceções em algumas hipóteses concretas, é se aplicar o adágio em questão: nemo auditur propriam turpitudinem allegans.

    O terceiro e último requisito de validade do negócio jurídico é a forma, a qual deve ser aquela prescrita em lei, ou não proibida legalmente. De acordo com o art. 129, prevalece a regra geral da liberdade de forma, para as declarações da vontade. Apenas quando a lei exigir forma específica, é que o negócio jurídico deverá ser ultimado segundo os ditames da lei, obedecendo à forma determinada, ou formas determinadas, porque às vezes o legislador prevê mais de uma forma, opcionalmente, para a realização do negócio jurídico.

    Conforme se exija ou não uma forma, ou formas determinadas, o negócio jurídico será solene (ou formal) ou não solene (ou não formal). Solenes são os negócios em que se exige a forma. Exemplos destes: o pacto antenupcial (escritura pública) a compra e venda de imóvel de valor superior ao teto fixado em lei (art. 134, inc. II - também escritura pública), os contratos de penhor e de seguro (artigos 771 e 1.433). Nestes dois últimos, a forma exigida é a escrita, podendo ser escritura pública ou particular (esta é obviamente mais utilizada, porque é mais simples e menos dispendiosa).

    Já negócios jurídicos não solenes são aqueles para cuja realização não se exige uma forma específica, podendo os partícipes efetuá-los da forma que preferirem; nesses casos a forma usualmente eleita, à evidência, é a forma oral, que é a mais simples de todas. Exemplo de negócio jurídico não formal, ou não solene, é a compra e venda de bem móvel de pequeno valor, como uma bicicleta, um livro, etc., cuja alienação pode se dar oralmente. A lei não prevê uma forma especial para a realização desses atos. Aliás, as atividades mercantis em geral assumem sempre a feição de negócios jurídicos não solenes, dada a rapidez que sempre deve inspirar essas atividades em razão de sua própria dinâmica e necessidade de agilidade.

    Podem ser alinhadas várias finalidades para a exigência de forma específica nos chamados negócios jurídicos solenes:

  1. Facilidade de prova. Torna-se mais fácil comprovar a feitura de um negócio jurídico, quando se exige a forma escrita; se o ato é meramente oral, tem que ser provado por testemunhas, o que dificulta a demonstração de que ele realmente ocorreu.

  2. Garantia de autenticidade. A falsificação fica mais difícil quando o ato é feito por escritura pública, por exemplo.

  3. Prevenção de vícios da vontade. Em um negócio não formal, pessoas menos precavidas, ou mais ignorantes, podem ser mais facilmente ludibriadas, incidindo em erros e sendo enganadas por outros; tal não ocorre com tanta facilidade, quando o negócio jurídico é ultimado de forma escrita, principalmente se for por escrito público.

  4. Alerta para a seriedade do ato. Visa-se também, com o ato jurídico feito de modo solene, chamar a atenção do agente ou agentes para a seriedade do negócio jurídico de que estão participando, como na feitura de um testamento ou na realização de um casamento. Este último é certamente o negócio jurídico mais solene de nosso ordenamento.

 

3. Interpretação do negócio jurídico.

    O art. 85 traça uma regra de hermenêutica para a compreensão perfeita da vontade das partes exteriorizada num negócio jurídico. Deve-se ater mais, na exegese das declarações de vontade, à intenção das partes do que ao sentido literal da linguagem. Isso fundamentalmente quando a linguagem for obscura, dando margem a mais de uma interpretação. É o mesmo que se dá na exegese das leis, quando, em caso de ambigüidade do texto, se procurará penetrar na mens legis, a fim de perscrutar a intenção do legislador.

 

4. Classificação dos negócios jurídicos.

    Sob diversos pontos-de-vista podem os negócios jurídicos ser classificados. De uma das formas de classificação já falamos acima, quando abordamos os negócios solenes e não solenes. Falemos agora da classificação dos negócios jurídicos a partir de outros ângulos de visão.

4.1. Negócios unilaterais e bilaterais

    Negócios jurídicos unilaterais são aqueles em que há declaração de vontade apenas em um sentido. Em outras palavras, a declaração emana apenas de uma parte, de um polo, digamos assim. Nessa categoria estão: a feitura de um testamento, a instituição de uma fundação, a declaração unilateral da vontade, a renúncia à herança.

    Por outro lado, bilaterais são os negócios para cuja realização se fazem necessários dois sentidos nas declarações de vontade; ou seja, há a declaração de uma parte, num sentido, e no sentido inverso, para que o ato se complete, existe a declaração da outra parte. Pode-se dizer também que nesses negócios jurídicos há duas partes, dois polos dos quais partem as manifestações da vontade. Exemplos: a compra-e-venda, a locação, o mútuo, o mandato, etc.

    Há também negócios jurídicos em que existem não apenas uma parte ou duas, mas várias partes, vários polos de interesse. Isto é, há mais de duas declarações de vontade, com interesses individualizados, que convergem para um só ponto. É o que ocorre em um contrato de partilha onde haja mais de dois seis herdeiros, digamos seis, por exemplo. É o se dá também na convenção de condomínio: são vários condôminos, cada qual representando seu próprio interesse na fixação das regras que regerão a propriedade comum. Esses negócios jurídicos podem ser denominados plurilaterais.

    Obviamente os contratos em geral são negócios jurídicos que jamais poderão ser unilaterais. Serão sempre bilaterais ou plurilaterais, como nos exemplos acima (todos os exemplos que demos, de negócios bilaterais e plurilaterais, constituem contratos).

4.2. Negócios onerosos e gratuitos.

    Onerosos são os negócios jurídicos em que, à vantagem de uma parte, corresponde sempre um sacrifício da outra parte. Por outras palavras, à vantagem de uma pessoa corresponde sempre uma contraprestação de outra pessoa. Assim, na compra e venda, o comprador adquire a propriedade de um bem, da qual o vendedor, d'outro lado, deverá se despojar. Mas este último, por seu turno, recebe um valor em dinheiro, que é o preço do bem alienado, valor esse que haverá de ser desembolsado pelo comprador. E o mesmo ocorre na locação de uma casa para fins residenciais, que constitui outro exemplo de negócio oneroso.

    Nos negócios jurídicos gratuitos o sacrifício se dá apenas para uma das partes: a outra só tem vantagem. Exemplo típico é a doação sem encargos, em que o doador é o único a apresentar uma prestação, ou seja, proporcionar ao outro a aquisição do bem doado; apenas ele sofre uma diminuição patrimonial, o que não ocorre com o donatário, que apenas se locupleta, nada despendendo. Outros exemplos de negócio jurídico gratuito são o comodato e o mandato; este último se presume gratuito quando não se estipulou remuneração, consoante diz o art. 1.290, parágrafo único, do Código Civil.

    Todo negócio jurídico oneroso é sempre bilateral. Mas a recíproca não é verdadeira, isto é, não se pode dizer que todo negócio bilateral será sempre oneroso; nem todo negócio bilateral é oneroso. Como exemplos de negócios jurídicos bilaterais que não são onerosos, mas gratuitos, podemos citar os já mencionados: doação, comodato e mandato, pois todos são contratos, e como tais só podem ser bilaterais, como vimos acima; mas nem por isso serão onerosos: são, ao contrário, gratuitos.

4.3. Negócios jurídicos inter vivos e causa mortis.

    Essa classificação dos negócios jurídicos diz respeito à época em que deverão os mesmos produzir seus efeitos. O negócio é inter vivos quando se destina a produzir suas conseqüências jurídicas ainda em vida dos partícipes, como na compra e venda, na locação, no contrato de prestação de serviços, etc.; a grande maioria dos negócios jurídicos é dessa natureza, destinando-se a produzir seus efeitos durante a vida dos respectivos agentes.

    Já os negócios jurídicos causa mortis vão produzir seus efeitos jurídicos apenas após a morte de um dos agentes, como acontece no testamento e na doação propter nuptias prevista no art. 314 do Código Civil. Nestes casos, o donatário ou o beneficiário do testamento só vai adquirir a propriedade, dos bens doados ou testados, somente após a morte do doador ou testador.

4.4. Negócios principais e acessórios.

    Principais são os negócios jurídicos que não necessitam de outro negócio para existir; não dependem da realização de outro negócio jurídico. Já o negócio que está na dependência de outro, que foi feito em função de outro e só existe por causa daquele, é denominado de acessório. A situação de principal e de acessório é sempre do negócio jurídico em relação a outro, obviamente, como acontece na conceituação dos bens com aquelas denominações.

    Assim, se alguém realiza um contrato de locação residencial, sem a existência de qualquer garantia, esse negócio jurídico será autônomo, não se lhe aplicando o nome de principal ou acessório. Mas se a locação for acompanhada de um contrato de fiança, com o objetivo de assegurar uma garantia para o pagamento dos alugueres, aí então a locação será o negócio principal, e a fiança o negócio jurídico acessório. Usualmente, no mesmo instrumento já se exteriorizam os dois negócios Veja-se que a fiança só existe em função da locação: só se dá o contrato de fiança porque está havendo o contrato de locação. Este último poderia surgir de modo autônomo, como vimos, mas a fiança jamais poderá surgir autonomamente: sempre existirá exatamente porque existe um negócio jurídico principal, pois ela (a fiança) se destina precisamente a garantir o cumprimento da obrigação naquele negócio principal, que pode ser uma locação, um contrato de mútuo, etc.

    Outro exemplo que podemos mencionar é o do famoso "contrato de mútuo com pacto adjeto de hipoteca", nome com que as entidades financeiras costumam denominar os empréstimos de dinheiro para aquisição de casa própria (financiamentos para fins habitacionais). Há aí dois negócios jurídicos, que são dois contratos: um, principal, que é o mútuo, o empréstimo do dinheiro; e outro, o negócio acessório, que é o contrato de hipoteca (que gravará o próprio imóvel financiado, normalmente), a qual se destinará a garantir o pagamento do empréstimo (poderá haver a execução hipotecária se o empréstimo não for restituído, não for pago). Observe-se que adjeto é sinônimo de secundário, acessório. Dizer pacto adjeto, portanto, é o mesmo que dizer contrato acessório.

    No último exemplo dado, a hipoteca só existe em função do negócio jurídico principal, que é o empréstimo de numerário, que poderia ser feito sem aquela garantia, o que, entretanto, inexiste na prática, pois nenhuma entidade financeira que se conheça vai emprestar dinheiro a alguém sem qualquer garante...

 

DOS DEFEITOS DOS ATOS JURÍDICOS. O ERRO.

1. Introdução

    Vontade é a base e elemento primordial do negócio jurídico.

    Elemento volitivo a funcionar normalmente.

    Vontade pode inexistir, como na coação absoluta ou na alienação mental.

    Vontade pode existir, mas contaminada por vício do consentimento.

    A vontade pode existir e funcionar normalmente, mas há desvio da lei ou da boa fé, prejudicando terceiros ou infringindo o direito.

    Vícios da vontade ou vícios sociais, contaminando o negócio jurídico (art. 147, inc. II).

 

2. Erro

    Vício mais freqüente.

    Erro e ignorância são equiparados em seus efeitos, pelo nosso CC.

    Diferença entre ignorância e erro: uma, o completo desconhecimento do objeto; o outro, falsa noção acerca do objeto.

    Nos dois casos, o agente, não fosse o erro, deixaria de praticar o ato, ou praticá-lo-ia de modo diverso.

    O erro é conseqüência da divergência entre a vontade real e a declaração.

    Em relação à consideração do erro, há dois interesses antagônicos. Teorias: vontade real, declaração, responsabilidade e confiança. Esta última mais coerente com o interesse da segurança nas relações sociais. Por ela, em princípio o ato eivado de erro prevalece, a bem da segurança social; só deixa de prevalecer se houver má fé (dolo) ou negligência da pessoa a quem a declaração se dirige, ou seja, o outro agente; portanto, havendo torpeza ou incúria deste, a ordem jurídica não o protegerá (nemo auditur propriam turpitudinem allegans, lembre-se).

 

3. Erro Substancial e Erro Acidental

    Art. 86: para anular o negócio jurídico, o erro dever ser substancial, ou essencial.

    O conceito de erro, em nosso Código, é genérico, levando à anulabilidade do negócio jurídico; mas a doutrina fala em: a) erro-vício, que é o erro propriamente dito, que atua no processo de formação da vontade; b) erro na declaração (material); e c) erro na transmissão (art. 89).

    Art. 87 e 88: quando se dá o erro essencial. Exemplos.

    Erro sobre a pessoa: necessário que a consideração da pessoa tenha sido a causa determinante do negócio jurídico. Exemplos retirados do CC: anulação de casamento (art. 218); disposição testamentária (art. 1.670); contrato de sociedade, necessidade da affectio societatis; Art. 880, contrato a título oneroso que tenha por objeto fato infungível; atos benéficos realizados intuitu personae (doação, dote, etc.).

    Em outros casos, erro não provoca anulabilidade. Exemplo: prestação fungível, realizável por qualquer pessoa.

    Erro acidental: incide sobre qualidades secundárias, ou acessórias, da pessoa ou objeto. Exemplo: valor do objeto.

    O erro, para viciar a vontade, precisa ainda ser escusável, real (i.é, provocar efetivo prejuízo, e ser comprovado, não se resumindo a meras alegações ou suposições da vítima do erro) e relevante, isto é, de tal importância que a pessoa iludida não teria celebrado o negócio jurídico, se conhecesse a real situação.

 

4. Erro de Fato e Erro de Direito

    Em princípio, só o erro de fato vicia a vontade: ignorantia legis neminem excusat.

    Mas o erro de direito poderá excepcionalmente ser argüido, se não se pretender, com isso, fugir à força imperativa da? norma.

    Apego à ficção do adágio só se admite quando indispensável à ordem pública e à utilidade social. Justifica-se, assim, o equívoco perfeitamente desculpável.

    Error juris não é apenas ignorância da norma, mas também seu falso conhecimento e sua interpretação errônea. Mas para induzir anulabilidade, o erro deve haver sido a razão única ou principal, na determinação da vontade.

 

5. Artigos 89, 90 e 91.

    Art. 89: alegação do vício pode se dar, igualmente.

    Art. 90. Nosso CC não deu relevo à causa (escopo, fim), mas a considera se esta foi expressa como razão determinante do ato, ou sob forma de condição. Nesses casos vicia o ato. Em ambos os casos, não havendo expressa declaração sobre a causa, o ato é válido. Exemplo de causa eleita como razão determinante do negócio jurídico: deixar legado por testamento, a quem acredito ter-me salvado a vida. Outro ex., de O. Gomes: aquisição de imóvel residencial para ser remodelado para fins comerciais (com impossibilidade, por causa de posturas municipais); a causa deve haver sido expressa no contrato, para se viabilizar a anulação.

    Erro: fenômeno de ordem subjetiva, que às vezes não comporta prova direta, havendo que se lançar mão de provas indiretas, deduzindo-o de elementos objetivos.

    Todos os meios de prova são admissíveis, para a anulação por erro.

    O erro só pode ser alegado por quem é beneficiado pelo reconhecimento do vício, não pela outra parte, e negócio jurídico contaminado de erro prevalece, enquanto não anulado por sentença.

    Ação ordinária, para a anulação por erro: prescrição em quatro anos (art. 178, par. 9º, inc. IV).5

 

6. Conceito e Distinção do Erro

    Artifício, com aproveitamento ao autor da burla ou a terceiro.

    Vizinhança em relação ao erro. Mas não é o dolo espontâneo, é provocado pelo embuste de outrem.

    Muitos identificam os dois vícios, pelo fato de em ambos a causa da anulação do negócio jurídico ser a mesma, isto é, o erro em que incidiu o agente.

    Mas a distinção é necessária. Primeiro, porque se torna mais fácil provar o dolo do que o erro. E, segundo, porque, já aqui, ao contrário do erro, a falsa causa, induzida por outrem, ensejará sempre a anulação do negócio jurídico (pelo dolo, óbvio).

    Atualmente menor incidência em relação ao passado, em razão das melhorias na instrução pública.

    Distinção entre dolo civil e dolo criminal, bem como o dolo processual (conseqüências de um e outros).

    Palavra pode ser utilizada em sentido amplo, de enganar alguém, podendo até ter intuito altruísta. No sentido restrito é que usada no C.C.

    O dolo é um plus em relação ao erro: ocorrendo o dolo, pressupõe-se a ocorrência do erro. Mas ação por dolo é mais proveitosa, inclusive porque mais intensa a reação social e do julgador.

    Quando o dolo provoca apenas erro acidental, mesmo assim o negócio jurídico poderá ser anulado, pelo dolo; o mesmo acontece quanto à falsa causa, que no erro, ordinariamente, não anula o negócio, mas se obtém a anulação alegando-se dolo.

 

7. Distinção entre Doloo e Fraude contra Credores e Coação

    Na fraude não há participação do lesado.

    Na fraude, a burla é posterior aos atos dos quais nascem os direitos do lesado.

    Em relação à coação, esta é mais grave que o dolo, pois atua sobre a liberdade, enquanto o dolo atua sobre a inteligência: a coação tem, dessarte, maior influência na formação da vontade.

 

8. Dolo Principal e Dolo Acidental

    Art. 93: dolo acidental e dolo principal, sendo este a causa determinante do negócio.

    Dolo principal: vício. Dolo acidental: ato ilícito gerador da obrigação de indenizar.

    No dolo acidental, dada sua incidência o negócio se faz de modo mais oneroso para a vítima.

    Exemplos, retirados de Sílvio Rodrigues: dolo principal, venda de quinhão hereditário por herdeiro: dolo acidental, sub-avaliação de bem de massa falida, em proveito de credora hipotecária (todos exemplos oriundos da jurisprudência).

 

9. "Dolus Bonus" e "Dolus Malus"

    Dolo tem que ser grave, para que constitua causa de anulação de negócio jurídico.

    Em prol da segurança das relações jurídicas, só o dolus malus constitui vício do consentimento, apesar da censurabilidade de ambos.

    Dolus bonus não induz a anulabilidade, devendo-se à própria incúria da vítima.

    Dolo propriamente dito, com efeitos jurídicos (possibilidade de anulação do negócio) é só o dolus malus, consistindo o bonus na "pabulagem" de quem pretende vender um bem, por exemplo.

    Exemplo extraído da jurisprudência e citado por S. Rodrigues: aquisição de bem imóvel, tendo o vendedor insistido em que provocava mais rendimentos do aqueles que efetivamente proporcionava; o Tribunal entendeu não haver incidido dolo grave, passível de anular o negócio.

 

10. Dolo por Omissão

    Dolo negativo. Apesar de o silêncio, em princípio, não produzir efeitos jurídicos, a omissão de uma circunstância que o agente deveria revelar pode configurar o dolo por omissão.

    Só quando a lei imponha o dever de revelar?

    Solução pela afirmação é defendida por alguns, em razão de se limitar o arbítrio do juiz em prol da segurança das relações jurídicas. Mas a solução pela negação reúne maior número de adeptos, sendo inquestionável no campo das obrigações, pois a situação contratual exige a boa fé dos contratantes.

    Em nossa lei, é expressa a possibilidade de haver dolo por omissão: veja-se o art. 94.

    Exemplo retirado de S. Rodrigues, e oriundo da jurisprudência: não haver revelado o alienante a existência de trincas no prédio objeto do contrato, anulando-se este em razão da omissão dolosa.

 

11. Dolo de Ambas as Partes

    Art. 97.

    O dispositivo acima (art. 97) constitui preceito romano antigo, existente em diversas legislações atuais: quando a torpeza é bilateral, não há socorro do Poder Público.

 

12. Análise do Artigo 95

    O dolo de terceiro. cumplicidade, apenas conhecimento ou completa ignorância. No último caso não se anula o negócio jurídico, mas o terceiro responde por perdas e danos.

 

13. Elementos do Dolo

  1. Intenção de induzir à prática do negócio jurídico, a fim de obter vantagem para si ou outrem.
  2. gravidade dos artifícios utilizados para o ludíbrio.
  3. Sejam causa determinante da declaração da vontade.
  4. Procedam os meios ardilosos do outro contratante, ou de terceiro, mas com cumplicidade ou ao menos conhecimento do outro contratante.

 

14. Outras Considerações

    Dolo não se presume.

    Artigos 96 e 97.

 

 

A COAÇÃO

 

1. Introdução e Definição

    Vício do consentimento mais profundo, pois atinge a liberdade do querer.

    Mais grave que o dolo.

    Denominação romana: mais precisa.

    A coação pode ser encarada de forma intrínseca ou extrínseca.

    Não é conceito exclusivo do direito civil.

 

2. Espécies

    No sentido amplo, pode ser física ou moral.

    O que é a coação física: completa ausência da vontade, do querer.

    Para o direito civil, a coação tem apenas o sentido restrito, sendo apenas a moral, vis compulsiva: nesta, a vítima conserva relativa liberdade.

 

3. Requisitos da Coação

    Art. 98.

    Cinco requisitos:

  1. Causa determinante do negócio: relação de causa e efeito, ou nexo causal.
  2. Incutir temor fundado, justificado: temor pode ser de mal físico ou moral, mas justificado; avaliação deve levar em conta aspectos objetivos e subjetivos, cf. art. 99; arbítrio do juiz no caso concreto. O juiz deve levar em conta, também (art. 99), a educação da vítima.
  3. Temor relativo a dano iminente: próximo, irremediável, e não remoto, longínquo, impossível ou evitável. A vítima não tem meios de subtrair-se ao dano, com os próprios recursos ou mediante auxílio de outrem ou da autoridade pública. O mal ameaçado pode ser futuro, desde que inevitável.
  4. Dano considerável, que pode ser moral ou patrimonial. Análise da parte final, à vista do novo Código (art. 151 caput): à luz do novo Código, a consideração do quantum do mal ameaçado ficará ao prudente arbítrio do juiz.
  5. Referir-se o dano à pessoa da vítima, a sua família ou a seus bens. Análise do novo Código, quanto à extensão do vocábulo "parentes" e a outras pessoas (§ único do art. 151, do novo Código).

 

4. Fatos que não constituem Coação (Art. 100)

    Ameaça deve ser injusta. Se justa, não há coação, e a ameaça de um exercício normal de um direito é uma ameaça justa. Se se ameaça com o exercício do direito, mas para obtenção de vantagem excessiva, transpõe-se o limite da legalidade, e portanto o exercício não será normal.

    Temor reverencial: receio de desgostar pai, mãe, superior hierárquico ou outra pessoa a quem se deve respeito ou obediência (Barros Monteiro). Para caracterizar o temor reverencial, deve sempre haver, entre supostos coator e coacto, uma relação de dependência ou subordinação hierárquica, ou respeito.

    Do ponto de vista jurídico, o simples temor reverencial, sem os requisitos básicos da coação, não constitui vício do consentimento.

 

5. Outras Considerações

    Art. 101: coação emanada de terceiro. Análise do dispositivo em confronto com o novo Código (artigos 154 e 155).

    Provado o vício, o negócio jurídico é anulável (art. 147, inc. II).

    Fundamento da garantia de anulabilidade: incolumidade do consentimento, que deve ser assegurada.

    Projeto do novo Código acrescenta o estado de perigo e a lesão, como vícios do consentimento (artigos 156 e 157).

    É pacífico na jurisprudência que a coação deve ser objeto de prova, não podendo ser presumida.

    Em nossa lei, não se distingue a coação em função da categoria do negócio jurídico (bilateral ou unilateral, gratuito ou oneroso, inter vivos ou mortis causa.

    Jurisprudência: "A coação, como vício do consentimento, depende de ação (ou reconvenção) para ser acolhida em Juízo. Não pode o juiz anular negócio jurídico de ofício, a pretexto de ter ocorrido coação" (TJSP, RT 586/40).

 

 

DA SIMULAÇÃO

INTRODUÇÃO

    Visa criar negócio inexistente ou ocultar, sob determinada aparência, outro negócio, que é o verdadeiro. Segundo Beviláqua, é a declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado.

    É bastante freqüente, não só judicial e extrajudicialmente, como na vida social. Conluio entre as partes, no CPC, art. 129, simulação de doenças, etc.; comum também nas ações de despejo, onde de modo freqüente se alega venda simulada do imóvel ao retomante; na jurisprudência há grande número de casos de dívidas forjadas e atos simulados.

    Extrajudicialmente: ocultação de preço verdadeiro em compra e venda, antedata ou pós-data em documento, realização de negócio mediante interposição de pessoa, etc.

    Causa simulandi tem várias procedências: burlar lei, fraudar fisco, prejudicar credores, guardar em segredo determinado negócio, etc.

 

CARACTERÍSTICAS DA SIMULAÇÃO

São as seguintes:

  1. Via de regra, apresenta-se em forma de negócio bilateral. Excepcionalmente, existe em negócio unilateral, mas há sempre conluio com outrem.
  2. Há sempre combinação com a outra parte, ou com as pessoas a quem se destina. O que em verdade a caracteriza mais é o conhecimento pela outra parte, quando o negócio é bilateral, o que ocorre quase sempre; mas é sempre ignorada por terceiros. Diferença entre simulação e dolo.
  3. Não corresponde à intenção dos agentes. Há proposital divergência entre a vontade real e a declarada.
  4. Tem objetivo de enganar terceiros. Estes são levados a crer que realmente existiu o negócio fantasioso, ou que o negócio existiu como exteriorizado.

    Exemplo de simulação: doação de homem casado a sua amante, disfarçada num contrato de compra e venda; aí todas as características aparecem.

    Uma vez evidenciada a simulação, o negócio jurídico é anulável (art. 147, II), podendo a respectiva prova assentar em indícios e presunções.

    Pode ser alegada por via de ação, ou em defesa, inclusive em embargos à execução. O prejudicado é quem tem legitimidade para argüir em Juízo a simulação.

    Disciplina da simulação no novo Código, que seguiu a orientação doutrinária e jurisprudencial.

 

ESPÉCIES

Absoluta e relativa.

Relativa:

  1. negócio é de natureza diversa (doação à amante, forjar dívidas na iminência da separação judicial);
  2. não é feito entre as próprias partes – "testa de ferro" (venda a descendente);
  3. os dados são inexatos, como na escritura de compra e venda com valor menor que o real.

    Na simulação relativa, o negócio dissimulado prevalece, se não houve o escopo de violar a lei, ou prejudicar terceiros ( o que é o negócio simulado e o dissimulado).

    Análise do art. 102.

    2. Inocente ou maliciosa. Inocente, quando não há intuito de violar a lei, ou de lesar a outrem (art. 103). Exemplo de simulação inocente: a de quem se norteia em razão moral, como o solteiro, sem herdeiros necessários, que simula compra e venda em doação a amante (TJSP).

    Na simulação inocente, cf. doutrina e jurisprudência, há possibilidade de anulação do negócio por uma das partes (interpretação a contrario sensu do art. 104).

 

OUTRAS CONSIDERAÇÕES

    Análise dos demais artigos.

 

A FRAUDE CONTRA CREDORES

1. Conceito. Ação Revocatória.

    Diminuição do patrimônio ativo praticada pelo devedor insolvente, ou na iminência da insolvência.

    Conduta maliciosa do devedor, diminuindo ou neutralizando a garantia que seu patrimônio ativo representa. Desfazimento do negócio jurídico.

    Só devedor insolvente, ou na iminência da insolvência. Caso contrário, cabe-lhe a prerrogativa de dispor de seus bens.

    Havendo a insolvência, presume-se o consilium fraudis ou prova-se o mesmo, cf. o caso. O único obstáculo ao direito dos credores são eventuais terceiros de boa fé.

    Praticamente pode-se dizer que os bens não mais pertencem ao devedor, pois vinculados ao resgate de seus débitos.

    Daí a permissão para que os credores quirografários promovam a anulação do negócio jurídico.

    A fraude contra credores é integrada por dois elementos: eventus damni e consilium fraudis, não sendo necessário, neste último, o animus nocendi.

    Em regra, nos seguintes casos: a) transmissão gratuita de bens ou remissão de dívidas; b) atos de transmissão a título oneroso; c) pagamento antecipado de dívidas; d) constituição de direitos de preferência a credores quirografários.

    Ação revocatória, anulatória ou pauliana, para anulação do negócio jurídico pelos prejudicados (credores quirografários).

 

2. Transmissão gratuita de bens e remissão de dívidas.

    Art, 106.

    Art. 106: presunção absoluta do propósito de fraude.

    O devedor abre mão daquilo que indiretamente pertence aos credores.

    Irrelevante a ciência da insolvência por parte do donatário.

    Despreza-se eventual cumplicidade na fraude, anulando-se o negócio jurídico porque o devedor doou bem que indiretamente pertence aos credores.

    Dois interesses diversos: Qui certat de damno vitando e Qui certat de lucro captando.

    Mesma disciplina se aplica à remissão. Dívidas ativas fazem parte do patrimônio do devedor.

    Só se exige prova da insolvência do devedor.

 

3. Atos de transmissão onerosa de bens.

    Situação muda, porque do outro lado há o interesse do terceiro de boa fé.

    De um lado, garantia do recebimento do crédito por parte dos credores; de outro lado, segurança das relações negociais.

    O legislador prefere privilegiar a boa fé.

    Sem a má fé do adquirente, não haverá o consilium fraudis, pois a malícia só existirá no espírito do devedor alienante. Em caso contrário, com ciência do adquirente acerca da insolvência, presume-se irrefragavelmente que ele foi cúmplice.

    Má fé consiste na mera ciência da insolvência. Isso revela o propósito de compactuar. Adquirente assume portanto o risco da anulação do negócio jurídico.

    No art. 107, presume-se a ciência, quando a insolvência for notória ou houver motivo...

    Revela-se a notoriedade da insolvência por atos externos, como protesto de títulos, etc.

    Razões do adquirente, para conhecer a insolvência. Situações que fazem presumir o conhecimento (doutrina e jurisprudência): parentesco, etc.

    Jurisprudência: adquirente irmão, mãe, sogro, amante; são casos em que também se presume a insolvência.

 

4. A fraude ainda não ultimada

    Art. 108.

    Preço justo; em caso contrário, malícia do adquirente. V. Novo Código.

    Com o depósito, cessa interesse e legitimação ativa para a ação pauliana.

 

5. O pagamento antecipado de dívidas

    Art. 110: paridade entre os credores. Proporcionalidade.

    Pagamento antecipado é anormal, o que revela seu objetivo fraudulento.

    Rompimento da igualdade, e conseqüente ação para tornar sem efeito o pagamento e obrigar o beneficiado à reposição.

 

6. Outorga fraudulenta de garantias

    Art. 111: também anseio de iguaidade.

    Conseqüências da garantia real no concurso de credores. Bem fica sujeito por vínculo real.

    Ruptura da igualdade e conseqüente ação anulatória da garantia concedida.

    Parágrafo único do art. 113: volta do credor beneficiado à qualidade de quirografário.

    Neste e no caso de pagamento antecipado, há presunção do intuito fraudulento: atos anormais. Análise do art. 112, bem como da modificação a ser trazida pelo Novo Código Civil.

 

7. Legitimação ativa e passiva para a ação pauliana.

 

<CONTINUA>